http://jornal.publico.pt/2004/09/15/EspacoPublico/O02.html
A abertura de um mercado a novas empresas, só por si, não instala forçosamente a concorrência pois pode não ser suficiente a mera possibilidade de novas empresas entrarem: é necessário que, de facto, entrem.
No caso das telecomunicações e da energia eléctrica, existem múltiplas barreiras à entrada. Destaco duas que me parecem mais importantes: a barreira tecnológica (os grandes custos fixos iniciais) e uma barreira menos abordada pelos economistas mas, talvez, das mais importantes: a inércia dos clientes, i.e., a fidelização à empresa.
No caso português, a fidelização à empresa tem a ver com muito mais do que meras considerações de preço/qualidade. A mentalidade portuguesa, quer de esquerda quer de direita, é profundamente admiradora do Estado. O Estado é entendido como primeiro responsável de tudo e última instância protectora de tudo e para tudo. O simples facto de, por exemplo a TMN, estar de alguma forma ligada ao Estado (ainda que a ligação seja ténue) já é motivo suficiente para enviezar uma escolha a favor dessa operadora. Daí ser tão difícil que, por exemplo, as novas operadoras de rede fixa consigam angariar clientes.
Poderíamos falar de alguma "contestabilidade dos mercados": a mera possibilidade de uma empresa entrar levar o monopolista a manter preços baixos. Mas agora, à fidelização do cliente junta-se a falta de paciência deste para comparar preços, sobretudo quando é típico que estes sejam preços não-lineares (assinaturas, preços por minuto ou kilowatt, diferentes preços conforme o período do dia, diferenciação quanto ao destino, condições em que os descontos são efectuados, etc., etc., ...). Aqui, as potenciais novas empresas são em parte responsáveis pelo seu insucesso: numa sociedade sem paciência e com problemas de interpretação de textos simples, a publicidade com letras minúsculas em rodapé vale o mesmo que letras garrafais a dizer "somos tão maus e tão caros como a empresa instalada". Portanto, as novas empresas não convencem de que oferecem preços baixos e, logo, as empresas instaladas não sentem pressão para baixar os seus preços.
As políticas de todos ou quase todos os governos da democracia e da ditadura estiveram quase sempre contra ou cobardemente a favor do liberalismo económico. Em ditadura e na democracia, Portugal foi e é um país ferozmente corporativista. No entanto, tem ocorrido um fenómeno estranho: o da privatização quase integral de empresas que servem mercados "naturalmente" monopolistas, em que a concorrência será, com toda a probabilidade, fraca. Esta política é errada.
Por princípio, a liberalização deve preceder a privatização. Se da liberalização não fôr de esperar grande aumento da concorrência, então dever-se-á privatizar a empresa apenas no caso de esta ser mal gerida pelo Estado, mandando a honestidade que seja definido previamente o quadro regulamentar a aplicar à futura empresa privada.
Mas se a empresa monopolista, que com grande probabilidade manter-se-á monopolista, fôr bem gerida pelo Estado, então não há razão para a privatização. A privatização geral da Portugal Telecom foi errada.
Respondendo à sua pergunta: os elevados preços da energia eléctrica e das telecomunicações em Portugal resultam pois de uma dupla dificuldade de comunicação e de um factor de apego ao Estado: dificuldade das novas empresas em anunciar de uma forma clara e honesta os seus preços; dificuldade dos clientes em compreenderem os tarifários e os contratos oferecidos por essas empresas; afeição que a sociedade sente por tudo o que esteja associado ao Estado, mesmo quando se trate de empresas em grande parte já privatizadas.
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