20 de fevereiro de 2004

Flashes pré-carnavalescos

No metrô, um rapaz lê uma dessas revistas de um e cinqüenta - uma dessas que esmiuçam a vida das chamadas "celebridades". Em suma, uma revista de fofocas. No topo da página, em letras vermelhas, os dizeres: "a folia inteligente".

Olha, qualquer folia, mas especialmente a carnavalesca, para mim é burra. Às vezes eu também emburreço, voluntariamente ou não, e viro folião. Mas permaneço achando que a atividade de foliar é de essência estúpida.

De-modos-que não sei o que seja isso de "folia inteligente". Suspeito que a revistola falava é dos lugares em que a turma lá que ela acha inteligente vai se esbaldar. Algo como "a ala culta prefere o Gallery".

Nessas horas eu me lembro do painho Francis. Ele disse uma vez: "intelectual não vai à praia, intelectual bebe". É o caso de acrescentar: "intelectual não samba, intelectual bebe".

Aliás, pelo visto, intelectual só bebe. Não intelectua.

É, me perdi.

* * *

Enquanto tomo café, madame Tosetto espia a tevê. De lá da cozinha vou ouvindo. Levam uma entrevista com umas moças que trabalham no barracão de uma escola de samba, ao que parece na manufatura de fantasias. Elas se queixam, assim sem reclamar de verdade, de que a vida nesta época fica muito puxada.

Uma lá diz que só fala com os filhos por telefone, porque sai cedo demais e volta tarde demais e está sempre moída de cansaço. Outra fala que teve um ano que o marido ameaçou se mandar. Uma terceira diz que é duro, mas é "gratificante" (palavrinha essa que entrou na moda depois que os boleiros começaram a usar).

Aí mudam a entrevista para a cozinheira da escola, uma mulher a julgar pela voz já queimando óleo sessenta. As outras mulheres se derretem pra cima da velha; dizem que ela é "mãe" de todas. A velha não se furta à badalação, e chama todas de filhas. E diz, com orgulho, que todo dia cozinha dez quilos de arroz e sete de feijão. Está nessa vida desde 1973.

* * *

Aí vejo no telejornal que uma turma de promotores do Rio de Janeiro resolveu fiscalizar o carnaval, e implicou com dois carros alegóricos lá da escola onde está o Joãosinho Trinta. Num deles há uma, digamos, escultura mostrando Adão passando a Eva na cara. Em outro, outra alegada escultura promove o kama-sutra, se bem que o que se vê, de verdade, é uma suruba daquelas que encantaram a minhoca quando viu um prato de espaguete.

Os digníssimos representantes do Ministério Público baixaram portaria demandando ordem: que se cubram as putarias, faz favor. Quanto ao Adão e à Eva, vão jogar um cobertor por cima, e a turma que se esforce para imaginar o que acontece lá embaixo.

Quanto à suruba, a idéia é cobrir com flores. Que flores? Ainda estão escolhendo.

Agora: fiscalizar carro alegórico é tarefa de promotor? O Rio tá assim tão aliviado de processo e bandidagem que a turma do MP tenha tempo para vigiar a moral e os bons costumes? Tá certo que o Joãosinho exagerou, mas há ou não há um cazzo duma liga de escolas pra ficar de olho nessas coisas? A turma do MP de lá anda é muito sedenta de ibope.

* * *

Meu irmão, quando terminava sua licenciatura, sucumbiu ao populismo carnavalesco numa de suas aulas de estágio. Tendo que falar sobre o modernismo e a Semana de 22, lascou na cabeça dos alunos um samba-enredo que supostamente tratava desse assunto. A aula, claro, virou bagunça.

- Mas a turma aprendeu? - eu quis saber.

- Ah, provavelmente sim - ele respondeu.

Há de ter aprendido que "Mário de Andrade, maravilha popular", e que "Oswáld, irreverência na Avenida", e ainda que "Tarsila, oi!, do Amaral - do Amaráááál". Em todo caso, meu irmão deixou saudades entre a molecada.

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Pra finalizar: corre pela aí que uma certa pesquisa, feita por não-sei-quem e publicada não-sei-aonde, deu que 60% dos brasileiros não gostam de carnaval. Mais precisamente, não gostam das chamadas atividades carnavalescas, dos desfiles e do trugundum - do feriado a turma gosta.

Seja a pesquisa verdadeira ou não, eu é que não duvido do resultado. Carnaval é coisa pra turista, e pra faixa dos 20 aos 30 anos, quando a turma ainda tem fôlego pro rebolado mais forte. Fora disso, restam os abnegados, os precoces e os malucos.

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Bom é que São Paulo esvazia. Um terço vai à praia, outro terço vai ao Rio e à Bahia, e o terço que sobra quase não sai de casa. Nosso carnaval é tradicionalmente tido como ruim. Pois olha: que assim continue. Sou contra qualquer melhoria. Que os interessados procurem os lugares especializados.

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