15 de janeiro de 2010

COISAS DO SÓTÃO

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Quando começou a ler Roger Vailland, já ele possuía uma aura que vinha da geração anterior à sua, e os da sua geração já lhe tinham devorado os livros. Declinava-se, então, nas tardes da "Orion", ao cimo da Calçada do Combro: "um assalariado, seja qual for o salário, ganha sempre um pouco menos do que precisa" e acrescentava-se: regra segundo São Roger Vailland.
Poder-se-á dizer: um escritor datado. Que seja! Mas foi com ele que percorreu as pedras rolantes que lhe abriram caminhos, lhe marcou os passos. Outros também.
Roger Vailland era um “compagnon de route” e inscreve-se no Partido Comunista Francês em 1952. Transforma-se num estalinista convicto, mas sairá do Partido em
1956, após uma visita a Moscovo e em que toma conhecimento do “Relatório Krutchev”. A ruptura é dolorosa, mas firme, e disso dará conta no 2º volume de “Escritos Íntimos” que estão publicados pela “Europa-América”:
Mas não é Roger Vailland que é coisa do sótão. Ao sótão, apenas, foi,buscar um documento da Gulbenkian em que o livro é referido.
A Fundação Gulbenkian tinha – não sabe se ainda existe – um Conselho de Leitura onde alguns escritores e críticos literários eram convidados, pensa que devidamente remunerados, a prestar indicações sobre os livros que iam sendo publicados.
Estas recensões, continua ele a pensar, destinavam-se a avaliar os livros que poderiam fazer parte das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, aquelas prestimosas carrinhas, que, percorrendo o país, tão úteis foram e, para muitos sem elas a cultura não lhes chegaria às mãos.
Em Jnaeiro de 1963 pediram a António Quadros que se pronunciasse sobre o livro “Fim de Semana" de Roger Vailland. Eis os resultados de leitura a que chegou António Quadros:

“Género: romance
Valor: Bom
Intenção: recreativa
Acessibilidade Fácil
Idade leitores: Mais de 21 anos de sólida formação moral e intelectual
Aceitável, apenas para reservas
Livros do Brasil: 35$00
Preço: 35$00
Assunto e outras observações: O tema é típico de R. Vailland: a mulher, para conservar o marido, escritor célebre, tem como processo garantir-lhe inteiramente a liberdade, e, até, favorecer as suas conquistas. O escritor precisa, de quando em quando, do que chama “uma festa”… Depois, regressa a casa, onde a mulher, além de compreensiva, é confidente das aventuras do marido.
O livro seria normalmente de recusar, mas não há dúvida de que tem um alto nível literário. Superior até a outros de Vailland, escritor muito representativo. Por isso, consideramo-lo aceitável para reservas e para adultos de sólida formação.”
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Chegados aqui convém lembrar que António Quadros não é propriamente um daqueles coronéis na reserva, analfabetos q.b. que, a lápis azul, censuravam, jornais e demais publicações, que pretendiam determinar o que havíamos, ou não, de ler.
António Qudros é filho de António Ferro e Fernanda de Castro, personalidades do regime, ele próprio um homem do regime, mas a quem, pela sua "cultura" se exigiria uma outra honestidade intelectual, em detrimento da velha história do compor, ao fim do mês o recibo do ordenado.
Voltaremos a estes “conselhos de leitura” da Gulbenkian e a mais livros de Roger Vailland.

6 comentários:

T disse...

Eu conhecia essas fichas do Quadros. Tenho ideia que as postei já aqui no Dias. Mas ou é da febre ou não as consigo encontrar.

Joao Augusto Aldeia disse...

Os consultores da Gulbenkian para selecção de livros para as suas bibliotecas eram gente de grande qualidade: também incluía Orlando Vitorino e Domingos Monteiro, por exemplo. E não faziam censura, no sentido de aconselharem apenas as obras consistentes com as suas próprias convicções. Um dos livros cuja leitura mais me impressionou na minha juventude foi "A Mãe", de Gorki, um sério manifesto comunista pela porta da emoção, que estava nas prateleiras da Biblioteca Gulbenkian, nos final dos anos 60.

gin-tonic disse...

Caro J.A.Aldeia:
Ss relações entre a ditadura e a Gulbenkian sempre foram dúbias, de contornos pouco claros, um "tu agora dás-me isto, depois dou-te aquilo". A perspectiva de quem é bom ou mau prende-se sempre com o lado em que nos situamos. Por educação, pensem o que pensarem, respeita os intelectuais, a sua apreciação depende sempre do lado em que se perfila e o lado em que sempre viveu, não contempla alguns deles. O escritor Manuel Mendes dizia que os artistas dividiam-se em duas classes: os que aprenderam a somar quebrados e os que não aprenderam…
De todo desconhece os contornos em que foram criados estes conselhos da Gulbenkian. Já não vai ter tempo de ir saber, outras coisas o chamam. A apreciação de António Quadros que aqui publicou não é das piores. As de Domingos Monteiro que aqui trará, oportunamente, são bem piores…
No que à "A Mãe” de Gorki, diz respeito, completamente de acordo –fez mais pela consciencialização das pessoas do que todos os discursos inflamados, idiotas, hipócritas e esquizofrénicos de então…
Um abraço

Luna disse...

Não conheço as fichas dos quadros. Mas conheço há tanto tempo a escrita de Roger Vailland, que poderia começar assim:
Quando começou a ler Roger Vailland, possuía o espírito arrebatador de devorar todas as leituras que lhe passavam pelos olhos.Embora ainda menina, descobriu nas casas dos amigos dos pais, livros que eram lidos ás escondidas. Levava-os emprestados e assim se inebriou de palavras que hoje reclama (também) suas. Entre outros amigos, descobriu Urbano Tavares Rodrigues, Alberto Moravia, Sartre e ...

Foi bom recordar...
Cumprimentos

Anónimo disse...

Estranho. Quero tentar perceber o texto. Faço um esforço. Numa primeira leitura, não faz sentido. Vou tentar de novo. Continuo na mesma. Aborreco-me. Distraio-me, penso no jantar, e logo depois, cansado de tanto me distrair, reparo que neste blogue "Todos os comentários têm de ser aprovados pelo autor." Tudo bem, aceito isso. Vamos em frente. Gosto de desafios! Ah...mas.. não estou inscrito, registado ou o raio que o parta, e agora? Não estou dentro dos parâmetros! merda, só posso ser anónimo. Começo a ter pena de mim, mas que seja! Aqui vou eu outra vez. Aprovar...reprovar..o que vai ser de mim? Deixem-me ver se eu entendo isto. Coisas do sótão. Coisas do sótão.. Dias que voam... 1-0 para o Porto. Espero que isto não comprometa as aspirações ao título do meu Benfica. Merda, voltei a distrair-me. O texto! O texto! Desisto. Não percebo. Retórica torcida, truncada, pouco competente, nada desafiante, aquém, descontextualizada, perdida. Quem escreve isto? Não interessa, para ele António Quadros também era do regime! Basta! Não assino.

T disse...

Como vê a aprovação não demorou assim tanto.
Quanto ao Gin, o autor deste post, não escreve aqui de momento, está retirado para fazer outro projecto.
Volte sempre e não precisa de se registar para o fazer. Nem de assinar sequer.