
O alfarrabista ostentava sempre um sorriso no olhar. Finalmente tinha conseguido concretizar o que havia ansiado durante uma vida. Tendo começado como comerciante com uma sapataria, foi amealhando até dar forma ao sonho de juventude, tal como nos veio a contar. No início dos anos 70 e numa localidade-dormitório dos arredores de Lisboa, não terá sido fácil dar-lhe expressão . A silhueta deste devorador de livros evocava a de um Quasímodo disfarçando, as deformidades, um espírito iluminado, patente num permanente« brilhozinho nos olhos» a falar entusiasticamente de literatura. Era uma pessoa de indescritível beleza, no despojamento de homem humilde e esclarecido.
Foi na sua loja que comprámos – os meus irmãos e eu - tantos livros de BD e, mais tarde, alguns clássicos da literatura. Das aquisições subsiste o volumoso exemplar com contos da Idade Média (na altura desaconselhados para a nossa idade) até hoje por ler, exclusivamente comprado pela beleza da capa e com a pessoal pretensão confessa de o conseguir na época interpretar.
Sempre que passo por pequenos alfarrabistas – como sucedeu com esta montra fotografada num bairro residencial de Madrid – vem-me à memória o Sr. Albertino e a importância que terá tido na nossa juventude.
11 comentários:
Aprende-se tanto com um bom alfarrabista:)
o alfarrabista de são domingos ainda esta aberto?
Os poucos alfarrabistas que conheci, abriram loja por grande amor aos livros:)
Quanto à pergunta da J., será a T que possivelmente conseguirá responder, em Lisboa os que mais frequentei ficavam ali mais para a Trindade...
os que conheço melhor são os das escadinhas do duque ;) mas lembrei-me do de s.domingos por ser em s.domingos e por ser "pequenino"! ;) a t. deve saber se ainda esta aberto! ;)
Sim, está. Mas o filho. Tens o link dele aqui no Dias:)
Quanto a alfarrabistas em geral aparece num sábado, quando estiveres cá, na Rua Anchieta. Encontras de tudo:)
Há poucos anos, por mero capricho do destino entrei num alfarrabista e tornei-me num visitante regular. Foi o que se chama "paixão à primeira vista"! Até aí nunca sentira qualquer tpo de "apelo", até porque nunca fui um grande "guardador", embora ao longo da m/ vida já tenha feito inúmeras colecções. Talvez estes dois factores sejam a justificação para que hoje seja um visitante do v/ Blogue.... aprendi a valorizar e a olhar para as coisas de outra forma .... :)))Mário
Há uns meses, no pátio da faculdade, estavam a vender inúmeros livros ilustrados e revistas antigas, todos eles nacionais. Também me lembrei logo aqui do 'Dias' e decidi espreitar as 'antiguidades'... acontece que quando, finalmente, tive um tempinho para o fazer, as bancas já tinham desaparecido:(
O Sr Nunes está aqui J:
http://diasquevoam.blogspot.com/search/label/Livraria%20Nunes
e aqui
http://diasquevoam.blogspot.com/2005/11/jorge-nunes-livros-antigos.html
O Sr. Albertino... que recordações... um dia por semana ia esperar o meu pai à estação de Mem-Martins para irmos dar um saltinho (que se prolongava até ao fecho da loja) para comprarmos uns livros de aventuras ou de BD. Eu ficava fascinado com todas aquelas estantes (a loja ao virar da esquina do café Nanda, ao pé da casa das motas, era pequena, mas isso também eu era, e por isso parecia enorme!!)cheias de livros. Foi aqi que eu me viciei em livros... Ainda guardo com grande carinho o seu livro que o Sr. Albertino (que me fascinava, mesmo com aquele seu problema físico) escreveu: A Volta ao Mundo num Cartucho. Como gostaria de ter uma foto deste senhor que tanto me ensinou...
Obrigado por me teres feito recordar tanto.
João Francisco
Caro João Francisco,
Foi fantástico ver aqui este comentário! O Sr. Albertino foi para mim alguém marcante: educado, culto e com uma paixão enorme pelos livros, impossível não nos deixarmos contagiar por ele e por ficarmos ainda mais encantados com a leitura. Claro que a loja ficava mesmo «ao virar do café Nanda», hoje transformado em estabelecimento de 'Take Away', pouco passo por lá, mas por vezes ainda cruzo essas ruas.
Tanto os meus irmãos como eu gostávamos tanto de ficarmos tempos esquecidos na loja! Fiquei fascinada por saber que ele escreveu um livro, penso que se a vida lhe tivesse sido ainda mais risonha - apesar de ele não ser de se queixar, teve de ser dono de sapataria durante anos para poder concretizar o grande sonho de alfarrabista - teria escrito muitos, mas muitos livros.
E a casa das motas (do Almerindo) onde muito me aturaram para me arranjarem a velha bicicleta, consertar travões, mudar correntes, etc., fica hoje no Algueirão Velho, moderna e tentadora (para os motards, é claro) mesmo no início da estrada que segue para a Baratã.
Gostei muito de ter lido o teu comentário porque me reavivou excelentes memórias:)
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