
Como é bom voltar às antigas casas que nos trazem as mais gratas lembranças . Como é bom quando resistem ao tempo e, embora fechadas durante meses, cada objecto e recanto nos transportam ao passado. No caso pessoal, ainda existem destes lugares, embora um dos mais marcantes tenha, infelizmente desaparecido. Dei-me conta do facto de forma mais inesperada, a ver um programa noticioso sobre a realidade nacional no qual se referia a demolição de uma das casas mais antigas de uma terra do litoral. Lá comecei por passar parte das férias grandes, em casa de amigos, quando os meus pais aproveitavam para fazer longas viagens. Na infância, por vezes, custava-me o afastamento familiar. Já na juventude, acontecia o oposto: a euforia de conhecermos muita gente da mesma idade e a criatividade ilimitada que passava por cantarmos, inventarmos jogos divertidos que iam desde ‘rituais’ de hipnotismo ao jogo do assassino, irmos até ao velho casino, passearmos de motorizada não longe das arribas em substituição das velhas bicicletas de infância, tudo isso levava a que todos tentássemos prolongar aquelas férias até onde os mais velhos nos permitissem. Acordava com o cheiro a café a entrar pelo quarto, o aroma dos pêssegos que se amontoavam dentro de cestos de vindima, ao lado do aparador da casa de jantar. A Amélia, que não tinha idade e a quem, lá por casa, chamávamos a nossa rainha, oferecia-nos o mais belo dos sorrisos, apesar das partidas que a vida lhe tinha pregado. O ter de percorrer o enorme corredor que parecia não ter fim e ficar a olhar as maçanetas facetadas em vidro verde e transparente das enormes portas de madeira, era um ritual até chegar à casa de jantar onde a chávena fumegante era acompanhada pelo pão estaladiço acabado de sair do forno.
O caminho para a praia era feito por entre cardos que nasciam teimosamente na areia. Aquilo a que chamávamos bar, onde se comprava laranjada de uma cor artificial hoje impensável, era um barracão de madeira. A tia Angelina passava várias vezes ao dia: "cá está a tia Angelina das pevides e dos tremoços!", tratando-nos por "minha querida menina", "meu querido menino" com um carinho de avó...
Todos crescemos e alguns, adiando os exames para a segunda chamada, passeavam os livros até à praia (ainda bem que nunca o fiz, pois as férias ficariam, decerto, comprometidas). Por vezes, ia-se a pé até ao aeroclube onde se saboreava um doce de claras e açúcar chamado Primavera. Os dias pareciam não ter fim e, durante alguns anos, o Verão trazia-nos sempre o mesmo encantamento. Entre as férias acabadas e outras já em sonhos, trocávamos correspondência (os rapazes eram mais renitentes a escrever, excepção para um amigo de Coimbra que relatava as lutas de estudantes, pois o seu irmão mais velho frequentava a faculdade, aqueles detalhes surpreendiam-me). Acabámos por perder aquele elo mágico que nos unia, mas acredito que todos guardarão estas memórias.
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