18 de junho de 2009

Nomes de que nos orgulhamos

A consciência do que nos torna únicos é algo que gostaria de ver perene apesar da correria dos tempos. E quando me refiro àquilo que nos destrinça, pretendo - perdoem-me a ousadia - abarcar a identidade de um povo.
Convictamente “não alinhada” em nacionalismos com tudo o que de pejorativo encerra o conceito, sempre se tornou incómoda a expressão “este país” não resistindo, quando (também) sou interlocutora, à pergunta “este? Mas não nos estamos a referir ao nosso?”.
Por isso mesmo, é sempre um deslumbramento conhecer um pouco melhor figuras que marcaram o espaço geográfico onde nos inserimos; por isso mesmo, é motivo de alegria quando não morre uma língua – o termo dialecto é depreciativo, dizem os entendidos – mesmo se utilizada por escassas centenas de falantes; por isso mesmo, olho com admiração quando um povo consegue ter consciência colectiva do que o torna único, sendo a ideia válida e aplicável a todas as etnias e culturas que hoje habitam o nosso ínfimo território, o que poderá (deverá) constituir motivo de enriquecimento.
Não querendo alongar-me, esta introdução tem (também) a ver com um livro cuja leitura terminei há minutos e me fez sentir bem por habitar numa região que mereceria melhor tratamento e tem sido ocupada , nem sempre do modo mais nobre, por urbanizações que quase não permitiram à histórica vila o ser agraciada com a menção de património mundial. Poderá ser um agradecimento póstumo a alguém que, a encontrar-se por cá, não esconderia as razões do seu descontentamento, atitude que sempre o caracterizou em vida. E como acredito que muitas das adivinhas – as essencialmente lúdicas têm também o seu mérito - contribuem para um reavivar da memória ou poderão constituir incentivo a um conhecimento mais aprofundado sobre pessoas, assuntos e locais, gostaria aqui de partilhar uma pequena descoberta (também ela tornada adivinha) que me pareceu ter interesse, embora para alguns possa não constituir novidade.
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É dele o melhor retrato de si próprio, o ex-libris que para si criou: um diabo que segura uma caneta de duas pontas. […] tem um barrete de bobo, o artista que a brincar criticava a Corte, os reis, o Governo, tudo, que dizia piadas, que mesmo a brincar metia as farpas… é portanto, um diabo com barrete de bobo e olhos de coruja, […] com um nariz pontiagudo, para meter em tudo quanto fosse necessário, e umas garras sempre afiadas, por que se alguém se atrevesse, levava logo com uma caricatura; as patas de bode são uma clara alusão à campanha anti-cabralista; o rabo é uma língua bífida de serpente[…] a boca tem os dentes ralos que mordem tudo, não hesita, e depois há uma barriga que tudo digere.[…]
O ex-libris representa aquilo que […] sabia de si próprio. Foi um homem que nunca se calou, nunca se vergou. O que era para dizer, ele dizia, doesse a quem doesse, nem que isso o prejudicasse, como acabou por acontecer várias vezes. Todo este demónio não é um demónio satânico, de feitiçaria. É um demónio do desassossego, duma conjuntura que houve também com Eça de Queirós, com As Farpas, naquela época de derrocada monárquica. Este diabo não tinha sossego porque criticava, porque dizia as verdades, porque apontava o dedo.
(transcrito com supressões)
In Fernando Moreira e M. Lúcia Carvalhais, Escola Secundária de Leal da Câmara: memória de 20 anos

3 comentários:

T disse...

Já o Fialho tinha um pseudónimo semelhante:)

teresa disse...

:) estava a tentar "compor" a mancha gráfica, mas descobri subitamente o teu comentário.

teresa disse...

...e recuando uns séculos - mesmo que de modo indirecto e através do barqueiro- atrever-me-ia a incluir no "trio" o tão apreciado (e actual) Gil Vicente:)