14 de abril de 2009
UM LIVRO DE QUANDO EM VEZ
A leitura dos escritores russos foi uma das coisas mais bonitas com que se deparou na adolescência.
Há dias, um tanto ou quanto enfastiado, percorrendo as prateleiras duma livraria, à procura de qualquer coisa que o tire da modorra que atravessa, do “slow-reader” em que se transformou, gostaria que hipoteticamente, encontrou este “A Morte de Ivan Ilitch” de Tolstoi, 112 páginas de uma colecção de bolso da “Dom Quixote”. A leitura dura um leve sopro mas são necessárias outras releituras..
António Lobo Antunes escreveu um pequeno prefácio:
“Este livro tão breve, uma das maiores obras-primas do espírito humano, tem sido, desde a sua publicação, um motivo de controvérsia para a crítica: trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte? Lukacs, por exemplo, defendia a segunda hipótese, contrapondo o Llanto por Ignacio Sanchez Mejias, de Frederico Garcia Lorca, como o grande texto acerca do fim. Embora eu concorde com parte dos argumentos de uns e de outros é um tipo de discussão que só academicamente me interessa: a morte de Ivan Ilitch é ambas as coisas e transcende tudo isso, para se tornar o retrato implacável da nossa condição: não há sentimento que nele não figure, não há emoção que não esteja presente. Tudo o que somos se acha em poucas páginas, escrito de uma forma magistral. Li-as maravilhado, umas vinte ou trinta vezes, continuarei a lê-las maravilhado, até ao fim dos meus dias. Maravilhado, exaltado, comovido, a perguntar-me como é que ele conseguiu. E conseguiu. Reparem no que Tolstoi faz com as palavras e como nos retrata, de corpo inteiro, no mais íntimo de nós mesmos.”
Não resiste a transcrever o final:
“Procurava o seu habitual medo, o anterior medo da morte e não o encontrava. Onde estará ela? Qual morte” Não tinha medo nenhum, porque também não havia morte.
Em lugar da morte havia uma luz.
- É então isto? – disse ele de súbito em voz alta. Que alegria!
Para ele tudo aquilo aconteceu num único instante e o significado desse instante já não mudou. Mas para aqueles que estavam presentes a agonia dele prolongou-se ainda por duas horas. Qualquer coisa fervilhava no peito dele; o seu corpo extenuado estremeceu. Depois o fervilhar e os estertores tornaram-se menos frequentes.
- Acabou-se! – disse alguém por cima dele.
Ele ouviu estas palavras e repetiu-as na sua alma. “Acabou-se a morte – disse a si mesmo – Já não existe.”
Inspirou o ar, parou a meio de um suspiro, esticou-se e morreu.”
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2 comentários:
Que bonito!
Ainda não li esta obra, mas fiquei com enorme vontade de a ler. Adorei Ana Karenina, deste mesmo autor.
Ao ler o excerto final de "A Morte de Ivan Ilitch", lembrei-me de Oscar Wilde - não personagem fictícia, mas de carne e osso - que gracejou momentos antes do último suspiro: "either the wallpaper goes, or I go". (Ou se vai embora o papel de parede, ou vou eu).
Fascinante!
Há dias, na procura de um outro Ivan Illich (este foi real e escreve-se com dois "ll"), um austríaco e revolucionário na forma de encarar a escola, ao "googlar", deparei-me com o outro, o da ficção e, curiosamente, não me recordo se li esta obra de ficção, o que é imperdoável. O Illich de carne e osso escreveu assim no seu livro "Une Société sans école": É depois de saírem, ou à margem da escola, que todas as pessoas aprendem a viver, a falar,a pensar(...), a desembaraçar-se, a trabalhar. As crianças que, de dia e noite, são confiadas a mestres não constituem excepção a esta regra (...) aprendem todos a maior parte dos seus saberes fora do sistema educativo.
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