15 de março de 2009

O meu pai e o mês de Abril

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(ilustração de António Pimentel para o livro As Portas que Abril Abriu)

As pessoas são diferentes - e ainda bem que assim é. Há quem goste de guardar lembranças, há quem as partilhe com um ou dois amigos mais íntimos e há ainda quem encare cada indivíduo como alguém com uma narrativa própria, sentindo o imperativo de a transmitir a quem o rodeia. O que se escreve ou afirma em diversas circunstâncias, traduz decerto a categoria em que cada ser humano se inscreve. As opções (de calar ou divulgar)não serão - em meu entender - catalogáveis em certas ou erradas, constituindo unicamente diferentes formas de estar (mais ou menos porosas, como um familiar muito amigo em tempos me referiu). O importante é que a nossa opção de porosidade ou impermeabilidade seja consciente e lúcida.
Tinha pensado em escrever sobre Abril quando o mês chegasse, acontece que os posts apelativos que o gin-tonic aqui tem apresentado foram, a título pessoal, contagiantes, acabando por trazer a vontade da antecipação. Por isso mesmo, veio a enorme tentação de relembrar (faço-o de forma saudável a todos os momentos) o meu pai.
Deixou-nos o maior legado:
- sentido de justiça na revolta que manifestou, ao longo da vida, contra a forma menos séria com que alguns políticos exerciam seus cargos;
- preocupações de cidadania e uma total dedicação de tantos anos à autarquia (quando passeava com ele, via como os mais humildes o saudavam, o que- quanto a mim- foi a verdadeira avaliação do seu trabalho);
- amor isento de pieguice pelos seus, com a generosidade dos alegres a barulhentos almoços de domingo – tradição ainda hoje respeitada;
- as ideias importantes que comigo partilhou (espero nunca as vir a atirar para o esquecimento).
Com o meu pai aprendi que gostar não é «tolher as asas», mas sim largar do alto para voar com segurança e autonomia... agradeço-lhe os preceitos de verdadeiro educador.
A minha gratidão não tem palavras ( seriam sempre insuficientes) e, por isso mesmo, prevalecerá um sentimento pessoal , intransmissível e impossível de traduzir num conhecimento de partilha.
Algumas lições de vida que me deixou foram de tal riqueza que só aos poucos as vou entendendo. Continuo a descobri-las, apesar de já ter percorrido uma parte considerável da caminhada.
Era forte demais para aceitar a fragilidade física que se ia acentuando, o que demonstrou por diversas vezes através de alguma irritação e recusa em falar de doenças (e por relatórios médicos habilmente escondidos durante anos).
Sinto o privilégio de poder ter ficado com ele aquelas duas semanas em que minha mãe esteve uns dias ausente e a descansar: por alguns momentos, vi-o esboçar sorrisos e ele nunca foi alguém que sorrisse com o simples intuito de agradar.
Ensinou-me a «nunca dobrar as costas», mesmo que um dia a idade me possa vir a pesar muito sobre os ombros.
A tarefa mais impossível que pessoalmente conheço - nem Hércules a conseguiria levar a cabo - consiste em dissociar o meu pai do mês de Abril.

4 comentários:

Unknown disse...

A preciosidade da herança legada pelo teu pai torna-se tão vívida, que é quase palpável nas tuas palavras.
Sabendo que há uma parte muito pessoal e intransmissível, penso, no entanto, que partilhas muito mais esse tesouro inesgotável do que aquilo que julgas.
Abraço :)

teresa disse...

Rosarinho,
Antes do almoço de domingo e, em relação às pessoas que me conhecem melhor, penso que só um limitado número terá o direito de dizer isso(seja ou não verdade e tu és uma delas e conheces outro prezado colega que também figura na lista- 1 de um conjunto de 90 lá da casa, imagina!), não todas aquelas que - por motivos profissionais (sabes do que falo) - me estão sempre a fazer chegar por diversas vias a mensagem "fazes cá muita falta" (como se as pessoas fossem insubstituíveis e como se cada um não tivesse a capacidade de pensar e de agir) e eu, com ar subtil, sorrio e penso: "para ser kamikaze? não,pois essa vocação não é a minha"- o meu pai reformou-se novíssimo, porque se recusava a nadar em todas as águas, o que não o impediu de trabalhar desinteressada e gratuitamente para a comunidade. Como não o posso fazer, pois trabalhei noutras áreas, estive algumas vezes em "stand by" por opção e há que comprar diariamente pão, fruta, etc., espero que melhores águas venham a banhar o nosso cantinho a Ocidente(e afirmo-o não olhando para o meu umbigo, mas como diz a canção "não é por mim que eu me queixo"):)

T disse...

Nunca sei como comentar estes textos. Apesar da dor da perca e da falta que fazem todos os dias, fizeram-nos à imagem deles.

Tenho a certeza que o teu pai era uma pessoa preciosa, pelo que conheço do teu irmão e de ti através dos dias. Que voam como é natural.
Talvez velem por nós algures. Tenho a certeza disso. Este é o nosso privilégio. E ao mesmo tempo a nossa incompletude por não os termos connnosco.

teresa disse...

Eu acredito que sim (que velam por nós, mas estas questões são "pessoais, intransmissíveis e não explicáveis cientificamente). Quanto a dizer tudo o que me vai na alma, até para outro tipo de coisas(as ligeiras) assim procedo. Ainda na 6f a professora dizia (parecendo que não sempre é alguém muito conceituado com currículo, etc. e tal): "qualquer dia também é exigido que, nos trabalhos académicos, agradeçam ao vosso computador, já que têm lá dentro bibliotecas inteiras, etc.". Deu-me logo para o disparate (estava tudo muito solene), levantei o braço no mui ilustre auditório e disse: "Professora, desculpe lá a opinião mas, a sermos justos e em última instância deveríamos era agradecer ao Bill Gates". A senhora sorriu, mas os outros 15 ficaram mudos e quedos, só que é uma coisa incontrolável (apesar de ainda manter alguma auto-censura, é certo, o caso não é assim tão irrecuperável). Já quando o meu pai se zangava comigo por eu fazer como condutora trajectos mais longos para o levar a qualquer lado, respondia-lhe sempre que não se preocupasse, pois o taxímetro não estava ligado:)