«O texto de Motton trata da (segunda) ascenção e queda de Gengis (Dinarte Branco), um pobre merceeiro londrino que reencarna Gengis Khan. Trata-se de um Ubu doméstico, um ditador chaplinesco que descobre no capitalismo a via do poder. Com efeito, a premissa para o desvario que se sucederá é desde logo enunciada nas réplicas iniciais: "Queres as boas notícias ou as más notícias primeiro?, pergunta a Titi. A boa notícia é que a pena capital foi abolida, a má é que o capitalismo acabou de ser prorrogado... para sempre." E a partir daqui está aberto o trilho para satirizar o mundo que Motton conhecia em 2002 e para o que conhecemos hoje, estranhamente anunciado nesta distopia: ainda reconhecemos Blair, Bush, Bin Laden e companhia.
Curiosamente, Gengis surge com uma camisola de futebol, com as cores da selecção argentina, com a marca Adidas e com o número 10 nas costas. É, portanto, a camisola de Maradona, um dos ícones mais polissémicos de sempre. Uma figura que também convoca a publicidade, o entusiasmo das massas, o excesso - no consumo de drogas, o contrapoder - na ligação a Cuba, e que até se tornou Deus da singular religião maradonista. Assim, criando esta particular mitologia, o feérico imaginário de Motton é (brilhantemente) traduzido por Pedro Marques e Luís Louro (cenário e figurinos), convocando vários elementos do quotidiano (pelo palco há também dois frigoríficos, uma máquina de lavar roupa e um computador) mas sabendo revelar-lhes a dimensão simbólica que evocam (ocultam?).
Resulta isto num espectáculo de grande densidade mas que sabe manter um tom de ligeireza e humor, o que só vem agudizar o tom de comédia de ameaça que o texto contém.»
por Rui Pina Coelho no público de hoje.
Ainda em cena (8, 9 e 10 de Julho) em Lisboa na Culturgest, integrado no programa do Festival de Almada.
no dia 17 de Julho vai até ao Teatro Gil Vicente, em Coimbra.
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