"Dormir ou, melhor, passar a noite num hotel em Portugal é uma das mais aflitivas e tremendas coisas que conheço.
O português é uma das criaturas mais malcriadas do mundo. Não sei se fica bem ou mal confessá-lo, mas é um prazer dizê-lo. Ora o hotel é como a casa de jogo, o melhor lugar para se observar e aferir a delicadeza alheia.
O hotel é a prosmicuidade na intimidade. O homem ali surge tal qual é, porque é ali que ressona e digere; é ali que acorda mal humorado e se deita com azia; é ali que tem de aturar o próximo em paredes meias; é ali que rabuja com os criados e tem muitas vezes sem resultado apreciável, de atravessar em pijama os corredores.
Ora todas estas funções, só atenuáveis pela verdadeira educação que resulta do carácter e do sentimento, são incompatíveis com a simples e artificial educação do preconceito, que é aquela que resulta do colarinho engomado, da bota do polimento, do cartão de visita e do manual do Félix Pereira. No hotel, dentro do seu quarto, apenas isolado por uma estreita porta mal fechada, o homem é um ser sem colarinho, sem polimento, sem cartões e sem Félix Pereira. É o homem em bruto e em Portugal, pode dizer-se que é o bruto em homem"
Este belíssimo e sarcástico texto é de Augusto de Castro, jornalista e diplomata, senhor que me foi apresentado hoje pelo meu amigo CP. Este é um pedaço do conto " O hóspede do 24". Se encontrarem algum exemplar deste livro, cheio de pequenas maravilhas como esta e que se chama "Fumo do meu Cigarro" é comprar com muito gosto. Eu vou já pôr-me em campo para o encontrar a ele e a mais irmãos que o acompanhem.
1 comentário:
Encontrei uma edição de 1921 (a quinta, do 11 milhar) numa feira em Lagos, assinada por um proprietário em 1929!
Uma maravilha.
Enviar um comentário