17 de maio de 2006

raï, o direito à opinião



o raï é, originariamente, a música do magrebe argelino
durante muito e muito tempo por lá andou. entre os pastores nómadas do deserto argelino.
a crecente sedenterização dos magreberinos no começo do século 20 fez com que muitos se concentrassem nas cidades portuárias do litoral mediterrânico.
se argel estava demasiado influenciada pela cultura francesa, oran, bem mais pobre, não o estava tanto.
oran era uma espécie de cidade que não dormia. albert camus definia oran como une ville somnambule et frénétique.
esse foi o terreno fértil para uma nova geração se sentir influenciada pelos sons que vinham do sul.
os cheb (jovens) de oran agarram raï como oposição cultural aos sheikh (velhos).
na verdade, raï significa literalmente 'opinião'. e era isso que os jovens queriam ter.
durante o periodo da luta de libertação da argélia, a maior parte dos cantores raï apoia a frente de libertação nacional o que faz com que não só muitos sejam presos (ahmed saber, um dos seus maiores nomes passou longos periodos na prisão) ou eram abatidos por engano, como guerbi hamida que foi morto por um 'fidai' por ter sido confundido com um colaborador da polícia colonial francesa. ele que também era um resistente.
foi o período mais negro do raï.
o grande reconhecimento do raï aperece apenas nos anos 60.. e em frança.
a chegada de muitos argelinos a frança e a existência de muitos jovens que viam aquela música como elemento identificador com a sua cultura, fez com que rapidamente ganhasse um estatudo de música resistente culturalmente.
nos anos 80 ganha mesmo o estatuto de música de multidões através de cheb khaled que sobem aos tops de frança... e da india (onde o raí tem neste momento uma enorme força)



esta semana morreu cheikha rimitti
cheikka rimitti foi uma daquelas mulheres que ousaram romber as barreiras.
nos anos 50 cantava canções que evocavam a guerra e a vida do povo sobre a repressão militar, o que para uma mulher no meio da cultura árabe da época não era coisa fácil de assumir.
ela e guerbi hamida ganharam o estatudo dos verdadeiros 'raïstes' da época.

com a morte de cheikha rimitti é, de facto, uma página que se fecha na música que melhor representa culturalmente a argélia.

é um pouco com a morte da nossa amália.
mas ambas por cá ficarão enquanto a memória delas nos valer a pena.

e seguramente valerá por muitos anos.

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