21 de março de 2009
A avenida e o escritor... de seu nome:
Encontrei casualmente este texto numa colectânea da Gulbenkian que, se a memória não me falha, terei comprado há tempo considerável num alfarrabista. Há autores que, não tendo integrado os nossos clássicos em breve- opinião pessoal - deles farão parte. Pouco tenho lido do escritor em questão, mas tem-me vindo a despertar para a sua escrita. Acontece que a avenida apresentada de modo tão pessoal no excerto que irei transcrever foi também a primeira morada que tive (o hospital de Sta Maria não conta) o que terá reforçado a empatia.
Desta avenida lembro bem a infância e as correrias com o meu irmão J. - ano e meio mais novo - e sob vigilância de uma empregada (a minha mãe leccionava em Santarém e tínhamos de ficar bem entregues), na praça arborizada e com um lago. Lembro ainda o miúdo, filho da porteira, que partilhava connosco pão com cebola, isto para desespero da minha mãe dado que em casa não queríamos a comida que nos era dada com os mimos dedicados à infância mais acompanhada. No rés-do-chão que habitávamos, os vizinhos eram família. A senhora do andar de cima, a quem eu carinhosamente chamava "avó Francelina" era realmente uma avó, mesmo que o ADN o não comprovasse.
E deixando-me de divagações, pois as obrigações chamam, vou deixar-vos dois desafios:
1)- Qual a avenida retratada na imagem e na prosa do escritor?
2)- De que escritor se trata?
Acertaram a Luciana "Av. Almirante Reis" e a T. com referência 'linkada' a José Rodrigues Miguéis:)
Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água-furtada e meu refúgio, e digo-lhe, seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta. Antigamente vivia-se aqui como num céu aberto. Nem faz ideia. Onde isso vai, parece que não, os dias passam devagar, mas os anos vão-se depressa. A gente só dá por isso quando já não há remédio.
Foi nos começos da República, e eu, de calção, com os sapatos nas poças da chuva, travava os primeiros corpo a corpo com a gramática latina e o verbo Amar. A Avenida era então novinha em folha, como o regime. Começava lá em baixo, num boqueirão sinistro, um rio de lama onde às vezes havia inundações e gritos, entre ribanceiras e prédios esguios, e ia-se perder ao alto, nas quintas e azinhagas. As casas, modestas e limpinhas, tinham fachadas de azulejo de mau gosto, outras eram pintadas a cor. Havia as “terras”, lotes vagos de barro viscoso onde a gente ia “reinar”, e as carroças se atolavam até aos eixos, com muitas pragas de carroceiros. As árvores eram frágeis e verdes, de mocidade e esperança. Que sossego o desses dias agitados! Isto não era Avenida, era a Rua do Lá-Vai-Um. O mundo acabava-se ali no redondel da praça: um muro decrépito e, para além dele, era a poesia, o silêncio, o bucolismo e a Perna-de-Pau. As noites uma paz. A brisa trazia lá de cima um cheiro fresco de húmus, de estrumes, de águas e verduras. As meninas pensativas, cheias de Júlio Dinis e pescadinha frita, dedilhavam pianos langues, aguitarrados, com as janelas escancaradas, ou então escutavam pelas sacadas, em roupas leves, a voz dos Tenórios empregados em escritórios, gemendo o Fado nas ruas.
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7 comentários:
É dos meus autores predilectos. Tenho quase tudo dele.A CML dedicou-lhe um livrinho delicioso, com imagens e textos, ainda ontem, à procura de outra coisa, o estive a folhear.
http://diasquevoam.blogspot.com/2005/12/saudades-para-dona-genciana.html
A Avenida fica para o próximo/a.
Se a memória fotográfica não me trai, esta é a Avenida Almirante Reis (inicialmente D. Amélia).
Abraço
Luciana
Também ando fascinada com o escritor (postei aqui uma ilustração e texto em tempos, mas não houve comentários... aqui se notava a vivência num outro país).
Quanto à avenida está certo, Luciana:)
E a nossa T. não quis mencionar o autor, deixando assim em aberto as hipóteses:)
Now I must go away e até logo!
abraço
Está no link:) Eu adoro a Dona Genciana:)
E bem-vinda Luciana:) Já a conhecia do Bic. Comente sempre:)
Obrigada T! O mesmo daqui! :-)
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