Mas falei da AMARA, porquê?
O meu amigo R é voluntário há alguns meses desta associação. Faz isso porque tem uma vida desocupada? Nem pensar, anda sempre a correr para conseguir ter tempo para tudo o que precisa de fazer.
Perde (ou ganha?) algum do seu tempo diário na ajuda a estes doentes. Outro dia demorou hora e meia para dar o almoço a uma pessoa. Queixou-se? Nada, achou normalissimo. Fala diariamente nos seus doentes, sofre quando morrem (apesar de o tentar ocultar) tenta restituir-lhes rituais de companhia e afecto, relaciona-se e aprende. São pessoas que vão morrer brevemente. Que apreciam o cuidado e o estar . Que merecem morrer da melhor maneira. Afinal, somos humanos não é?
Eu que sou especialmente céptica em relação ao voluntariado, rendo-me ao trabalho destes voluntários e desta organização. Numa sociedade que ostraciza a morte, oculta e asseptiza o sofrimento, há gente que tem coragem para ir mais além e abdicar não só do tempo, mas questionar a sua capacidade de lidar com o que nos assusta tanto: a morte e o sofrimento.
Quem me dera que acabem com a prática de deixar morrer os nossos entes queridos agarrados a máquinas e longe de nós. E que finalmente se dê à morte o respeito e serenidade que merece, que nos permita enfrentá-la de frente, com dignidade.
Nota: E para quem não não conhece a AMARA, transcrevo o testemunho de um dos voluntários desta associação e que esclarece por inteiro o trabalho desenvolvido pela Associação pela Dignidade na Vida e na Morte:
Testemunho de Miguel Borges, voluntário e membro fundador:
Acompanhar doentes terminais é um grande desafio. Em primeiro lugar porque nos confronta com a nossa própria condição de mortal apresentando as nossas fragilidades de forma desconcertante. Em segundo porque exige um registo de abstracção do plano em que nos habituamos a lidar com a vida, nem sempre evidente. Não basta querer ajudar ou servir a sociedade. Mesmo no final da formação nem todos estão prontos para “dar o passo”. É preciso algo mais do que conhecimento técnico e sensibilidade. Algo que só os profissionais – mesmo que voluntários – sabem reconhecer.
Acompanhar o Sr L. e família foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Ao longo das visitas semanais a relação foi-se estabelecendo. E à medida que o tumor avançava, a empatia parecia galopar. Estabeleciam-se graus de sintonia muito difíceis de conseguir no dia-a-dia, talvez motivados pela sensibilidade mais apurada. O mais importante do acompanhamento foi sempre, como era expectável, “estar com”. Sem qualquer ideia pré-concebida e deixando-me conduzir pelos acontecimentos e pelo doente e família. Um dia, mesmo perto do fim, o Sr L. tentou transmitir-me algo. Perante a dificuldade do terno olhar lembrei-lhe que podíamos comunicar mesmo de olhos fechados. E assim foi. Fechou os olhos e ali ficámos. Em sintonia, partilhando o momento. Não voltámos a comunicar de outra forma.A serenidade no momento da partida era tão evidente que a enfermeira que atestou o óbito teve muita dificuldade em reconhecê-lo. Durante muitas horas parecia estar ainda vivo. Nesse mesmo dia tive uma conversa com a filha de 8 anos que não mais esquecerei pela maturidade e clareza. Perante uma situação particularmente dolorosa, fui confrontado com uma tristeza de uma serenidade e ternura inigualáveis só explicadas à luz do completo e complexo trabalho desenvolvido em equipa com os técnicos de saúde (médica, psicóloga e enfermeiras).Acompanhar uma pessoa na última fase da sua vida pode ser uma experiência muito gratificante e enriquecedora. Para mim, foi.
Sem comentários:
Enviar um comentário