A T é uma chata. Pressiona-me de tal forma para escrever no blog que eu não tenho maneira de fugir.
Agora quer que eu escreva sobre os livros que me marcaram (que tenho no coração diz ela). Depois de ler o que escreveram antes de mim sobre a matéria, sinto-me um pouco constrangido.
Vocês não sabem mas eu sou apenas um semi-analfabeto que teve a sorte de aprender a ler cedo e o azar de não gostar de intelectuais. Não sei porquê mas deve ser daquelas imagens que guardo de alguns deles, dos tempos em que trabalhava numa editora como funcionário menor do serviço de pessoal.
Para além do mais eu não fixo os nomes dos autores, das passagens mais importantes para poder citar nos salões, os nomes dos críticos que disseram bem, etc.
Costumo guardar na memória as personagens. Gosto de personagens tridimensionais, densas, complexas, que através dos seus comportamentos me mostrem um mundo que eu desconheça. Gosto de me colocar na sua pele, de fazer o exercício intelectual (odeio a palavra mas não me ocorre outra) de imaginar que outra acção existiria se aquela estrutura psicológica se lhe juntasse a minha.
Dos muitos livros que li (não estou a contar os de direito que são chatos como raio que os parta) retenho alguns personagens que me ajudaram a crescer e outros que me ajudaram a sonhar.
O Fantasma, o Zorro, o Super-Homem foram alguns dos meus primeiros heróis, até aquele dia em que o meu pai me ensinou o que era um herói de verdade e me levou ao seu local de trabalho: o Alto Forno da Siderurgia Nacional. Percebi pela primeira vez que heróis eram aqueles operários que se levantavam todos dias para fazer um trabalho que lhes arruinava a saúde, por um salário de merda.
Depois, outra personagem me marcou: o Pável. Jovem herói de “A Mãe” de Gorky. No fundo eram os heróis do Alto Forno da SN, representados literariamente com o romantismo revolucionário do autor.
A partir desta altura tudo é vertigem. São muitas as personagens que vão passando pela minha cabeça, cada uma delas deixou por cá formas de agir, de estar, de pensar.
Na idade adulta, tempos de desencanto levaram-me à identificação com outras duas personagens que têm entre si alguns pontos em comum: a solidão, o querer estar fora desta “humanidade” mas não resistir a intervir, o despojamento em relação a uma forma de vida que nada lhes diz.
Falo de Corto Maltese e de Jeremias, o fora-da-lei. Hugo Pratt e Jorge Palma construíram dois personagens que me fascinam. Gostava de ser como eles, hoje. Mas apenas consigo uma aproximação a algumas características.
Despeço-me parafraseando Jeremias: “farto de esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor, Jeremias escolheu o lado de fora”. Quem me dera conseguir. Mas lembro-me sempre dos operários do Alto Forno.
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