10 de maio de 2011

O trovador taxista

Apanhava eu um táxi para me despachar para o trabalho, perdida que ando com os horários, indico o destino  e descanso. O taxista oferece-me um pirilampo mágico,  declino, mas depois vejo que vende livros e pergunto-lhe mais. "Escrevo sobre as histórias da minha vida aqui no táxi, coisas  para rir que de desgraças estamos fartos. Só escrevo em poema". Mostro interesse, o suficiente para o levar a abrir a bagageira e eu não resistir à compra. A ideia é soberba e as historietas engraçadas.  Um taxista trovador soa-me bem e aqui vos transcrevo esta deliciosa história da descaradona adúltera. 



"Uma adúltera senhora
Esbelta e sedutora
Em certa ocasião,
O meu táxi apanhou
E logo me preparou
Pra uma perseguição.
Toda ela era ansiedade,
No trânsito da cidade
Fartou-se de me pedir:
Sei que é boa criatura
Siga aquela viatura
Mas não a deixe fugir.
Percebi mais adiante
Que espiava o amante
Que com outra mulher ia,
Queria festa da rija
Com a boca na botija
Apanhá-lo pretendia.
Tentei dar o meu melhor
Mas um semáforo traidor
Fechou antes de eu passar,
Fiz aquilo que devia
Mas o carro que eu seguia
Jamais pude vislumbrar.
Aquela dama de esmero
Entrava em desespero
Ao
ver o plano gorado,
Com olhos pouco bonitos
Virou-se p’ra mim aos gritos
Como se eu fosse o culpado.
Disse já sem ele à vista:
Até com o motorista
Hoje fui pouco feliz,
Se tivesse acelerado
Bem podia ter passado
Mas você é que não quis.
Mas no meio do berreiro
Surgia um cavalheiro
Tão nervoso que tremia,
Era o seu pobre marido
Que sabia ser traído
E há muito a seguia.
A explodir de ciúme
Seus olhos deitavam lume
Julgando-me o seu rival,
Em fúria disse p’ra ela:
Mato-te sua cadela
A ti e a esse animal.
Eu alheio ao assunto
Mas prestes a ser defunto
Em dia de má memória
Depois de vencer o susto
Contei-lhe com muito custo
A verdadeira história,
Mas ela contra-atacou
Ao vê-lo não se assustou
E disse antes do confronto:
Tu que tanto me detestas
E sabes bem que não prestas
Desaparece meu tonto.
Corta a alma aos bocados
Pra juntar aos teus pecados
Mata-me se és capaz,
Era bom que fosses antes,
Seguir as tuas amantes
E me deixasses em paz.
Venceu à primeira vista;
Ela a protagonista
Da cómica emboscada,
No entanto teve azar
Ela que ia p’ra caçar
Acabou por ser caçada.

Não é só em Portugal
Que
os arautos da moral
Os infiéis crucificam,
Pra quem tem duplo critério
Só é crime o adultério
Se os outros o praticam

António Sequeira Tente

12 comentários:

Luísa disse...

Simplesmente delicioso. E logo eu que não vou muito À bola com poesia. Estava mesmo a precisar de uma história destas para recuperar do dia cansativo que tive hoje!!
Obrigada pela partilha. :)

nuno medon disse...

olá! Essa corrida de táxi deve ter sido gira, ainda p mais com um poeta/ taxista trovador.

Inês disse...

Lindo. Delicioso. O meu pai foi taxista, mas pena que faltou a inclinação para a escrita!
Este senhor deixa um legado inestimável à sua família e passageiros. Humor, tragédia e aventura num só texto...uau! ;)

Anónimo disse...

Que saga este relato. Há uma galeria diversa de taxistas, mas um faça livros nunca encontrei. Se o encontrar por acaso um destes dias, também compro as trovas. Um post engraçado.

Maria

Luis Filipe Gomes disse...

Várias vezes venho parar aqui no vosso espaço.
Tanta coisa antiga, tanta memória preciosa ,tanto relato quotidiano.
São sítios como este que prendem o tempo fugaz e daquilo que foi fazem luz, para olhar o futuro.

xistosa, josé torres disse...

Nesta fase da minha vida também sou taxista, (não sei se é só para alimentar o m/blog, se alguma reencarnação...).

T disse...

Obrigada eu pela tua leitura atenta Luísa:)

T disse...

Nuno, tenho uma licenciatura na área de encontrar gente diferente:)

T disse...

Inês, mas pode registar as histórias do seu pai. Certamente que as terá:)

T disse...

Se o encontrar, compre, Maria:)

T disse...

Obrigada Luís, em nome de todos:)

Felicidade disse...

Que maravilha. Que histórias deliciosas não conterá esse livro de poemas!! Já me diverti bastante por hoje! Obrigada!