8 de julho de 2009

OS CINEMAS TAMBÉM SE ABATEM

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O “Cinema Avis” ficava no Arco do Cego, frente à estação de recolha da CARRIS. Antes chamava-se “Palácio”. Foi demolido e, no seu lugar, encontra-se agora um enorme bloco residencial, onde também está o “Café Princesa”, restaurante, griil, self-service e, ao lado uma loja do “Pingo Doce”. No espaço onde era a estação de recolha da CARRIS encontra-se um parque de estacionamento para automóveis e um jardim, iniciativa de Pedro Santana Lopes, enquanto Presidente da Câmara de Lisboa.

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(foto enviada por José Leite e adicionada a este post)

Nunca gostou muito de ir ao “Avis”. Vive de empatias, pancadas, gestos malucos e dali nunca veio nada disso, ou algo que se parecesse…
Mas neste 25 de Maio de 1979 foi (re)ver “O Sargento Negro” (“Sergeant Rutledge”) de John Ford, ele que gosta mesmo de ser um fordiano e houve o tempo em que, mal via um filme em reprise, ala que se estava a fazer tarde.
No meio do programa em baixo pode ler-se que “nos intervalos ouve-se música de discos fornecidos por DISCOTECA ROMA”. A Discoteca Roma foi uma estupenda discoteca, principalmente na área de Música Clássica. Já não existe e, no seu lugar, está por lá uma agência bancária.
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Por detrás do “Avis”, com entrada pela Rua Dona Estefânia, havia uma fábrica de gelo e sorvetes, e o que ele gosta desta palavra sorvete. No Verão ia com os rapazes da rua buscar um bloco de gelo para os bailes de domingo no quintal do Vidrinhos.
Recordações ternas, suaves, os anos da inocência, que lhe apetece (re)contar:
Tudo girava em redor do Vidrinhos: a casa, o quintal, o gira-discos (um portátil em que a tampa era o alti-falante), a maior parte dos discos.
Os pais do Vidrinhos não eram ricos mas tinham aquela pequena porção de dinheiro, que por aqueles tempos, fazia toda a diferença…
No Verão, os bailes eram no quintal do Vidrinhos, onde havia uma densa e bem cheirosa parreira de uva americana. Nos bailes dos finais de Setembro, amiúde, caíam alguns bagos que sujavam as blusas de seda barata das raparigas.
Mas o Vidrinhos não tinha frigorifico. As garrafas de vinho branco “Valdor” ou “Camilo Alves” (a cerveja não estava vulgarizada) eram colocadas em grandes alguidares coloridos, oferta do “Omo” ou do “Tide”. Para as pequenas havia gasosa, para misturar, produzida e engarrafada em Pizões de Moura, mesmo gasosa, nada a ver com “7Up” ou demais javardices que por aí se vendem.
O gelo íamos buscar a essa fábrica atrás do “Cinema Avis”. Embrulhado em jornais e serapilheira, transportávamos o gelo. O Dudu dizia para se cortar o gelo aos bocados porque se transportava melhor, mas o Arolas dizia que inteiro não derretia tão facilmente. Caminhada a pé da Penha de França ao Arco do Cego e volta, uma razoável distância, a íngreme subida da Calçada do Poço dos Mouros, uma magote de pacholas a revezarem-se, transportando o gelo para os bailes da vida.
Os comes reduziam-se a umas sandes de pão de forma. O queijo e o fiambre compravam-se no Jaquim da Mercearia, deixavam muito a desejar e hoje colocaria os cabelos em pé à rapaziada da ASAE. Mas disso ninguém morreu!
Também bolinhos secos da “Fábrica Triunfo” de Coimbra, as raparigas a ficarem com os de chocolate e as bolachas de baunilha, delicadeza dos rapazes que elas retribuíam com sorrisinhos cúmplices. Mas a grande festa era a torta de cenoura que a mãe do Vidrinhos fazia. A D. Lourdes, para as meninas, disponibilizava também uma garrafa de capilé. Acabadas as garrafas de vinho branco – não eram muitas - atacava-se no capilé. Uma casquinha de limão, gelo do alguidar. Não mais os capilés lhe souberam como os daqueles bailes de Verão.
Diga-se que os bailes eram rigorosamente vigiados da janela da marquise pelo pai do Vidrinhos. Recordaque quando se punha o Alberto Cortez a cantar “El Vagabundo”, o Sr. Mateus descia até junto do gira-discos e por uns instantes ficava ali a fumar o seu cigarrinho “20-20-20” – “que importa saber quem sou e de onde venho e para onde vou, tu me desprezas por ser vagabundo”.
Alguém teria desprezado o pai do Vidrinhos, mas não necessariamente por ser vagabundo.
Ou será que ele gostaria de ter sido vagabundo?

3 comentários:

Anónimo disse...

Prosa e memórias verdadeiramente deliciosas!!!! Adorei!

Anónimo disse...

Lindo!
Essa fábrica de gelados era conhecida pelo nome de Sibéria, e ia-se para lá ao engate das miúdas.

Gin-tonic disse...

Obrigado pela ilustração, caro José Leite, e é um prazer tê-lo por aqui. Como a saga dos cinemas irá continuar, ficará à espera do seu contributo.
Um abraço