1 de março de 2009

PSICOTRÓPICOS

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É na medicina que depositamos, nos nossos dias, todas as esperanças pessoais.
Outrora a par do padre do professor e do notário, o médico tornou-se, na actualidade e em significativo número de casos, o único recurso possível. Todos os pedidos de socorro a ele vão ter… e lá vão sendo feitas as diligências possíveis: ouve os pais que não conseguem chegar aos filhos e os filhos que não falam com os pais. Tenta chamar à razão a jovem que – perseguida pelo medo de engordar – pende para a anorexia e o rapaz que – para não ficar mal visto – começa a experimentar drogas. Por vezes, é a única visita em casa do idoso. É com frequência aquele a quem se confia o stress e as insónias causados por receios de se vir a perder o emprego. Quando os alunos se sentem desmotivados para fazer face aos maiores desafios escolares, são levados ao médico para que lhes sejam receitadas uma vitaminas…
Assim sendo e dado ser a saúde o bem mais precioso – não se costuma dizer com frequência “enquanto houver saúde…?” – colocamos o médico num lugar fundamental nas nossas vidas. E ele esforça-se por fazer o seu melhor: sabe perfeitamente que, com frequência, só trata o sintoma, sentindo-se impotente para a resolução do mal. Como o poderia fazer? Não é de sua exclusiva responsabilidade mudar as nossas condições de vida, abolir os obstáculos, apagar situações que nos traumatizam. E por se tratar em simultâneo da sua profissão e da sua honra esforça-se, dentro do possível, para minorar as nossas queixas.
E é deste modo que prescreve com frequência – com muita frequência, dizem-nos! – ansiolíticos e anti-depresivos. E o próprio doente solicita-os… a tal ponto que nos tornámos numa nação sob o efeito de psicotrópicos!
Mas é fácil estigmatizar com estes argumentos quem tenta encontrar uma solução – mesmo não sendo a ideal – para a aflição de cada um. Deste modo o desempregado, deprimido na sequência de um despedimento, é acusado de cavar o buraco da Segurança Social através do excessivo consumo de medicamentos… Quanto ao médico que os receita ele é, evidentemente, acusado de laxismo: deveria ter-se limitado ao aconselhamento da prática de desporto ou ao consumo de tisanas!
Que hipocrisia! A nossa sociedade não sabe dar a cada um e a cada uma o espaço onde se deveria encontrar os equilíbrios essenciais. Ela afasta-se da prevenção, abandona os trabalhadores sociais, enfraquece as associações, recusa-se a um verdadeiro incentivo à natalidade e apoio à parentalidade… vem logo de seguida censurar os mais frágeis, os mais indefesos, homens e mulheres feridos pela vida, criticando-os por se virarem para a medicina.
Quando já só restam os médicos para suavizar o mundo, são os restantes que se devem interrogar. A hegemonia da medicina para sarar as nossas chagas sociais não é problema exclusivo dos médicos, mas sim um problema de toda a sociedade.

Philippe Meirieu, La Vie, 22 de Novembro de 2006
(tradução livre para este post)

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito deste texto.

gin-tonic disse...

Segundo o “Diário de Notícias” de 17 de Fevereiro dois milhões de portugueses vão sofrer este ano distúrbios mentais e muitos serão causados pelos graves problemas que o País enfrenta. O desemprego é apontado como causa principal que por sua vez provoca crises conjugais resultantes da falta de dinheiro.Dois milhões de portugueses vão sofrer de perturbações psiquiatras neste ano, em parte devido à actual crise económica, "As doenças mentais comuns estão e vão aumentar com esta crise. E, de acordo com dados científicos, é altamente provável que se assista nos próximos meses a um aumento de problemas de ansiedade, depressão e abuso de álcool",
Entre 2004 e 2007, o consumo de medicamnentos ansioliticos, hipnóticos e sedativos e antidepressivos aumentou 13,7% no nosso país.

teresa disse...

Estes textos referem alguns aspectos incómodos relativos aos "novos tempos", rosarinho. Como se vê, as fronteiras desapareceram, sendo esta uma das faces - nem todas serão preocupantes - da globalização: França, Portugal, (...) penso que nos revemos em realidades que se tocam~.
Os dados que o gin-tonic retirou da imprensa, acabam por vir ao encontro da crónica aqui postada, e já não podemos justificar tudo com o "stress pós-traumático" de guerra, "The times, they are a changing" como terá profetizado(?) Dylan: "you'd better start swimming or you'll sink like a stone". Já terão começado as aulas colectivas de natação?...