Pelos primeiros dias de Outubro, na caixa de comentários, falou com Politikos acerca do “Estúdio” do “Império” e prometeu trazer aqui o programa do filme “Uma Abelha na Chuva” de Fernando Lopes.
Já por aqui deixou escrito que o cinema foi o seu segundo amor. O primeiro terá sido o Benfica
No “Estúdio” do “Império” viu centenas de filmes mas este ficou-lhe bem presente na memória, motivos vários, mas acima de tudo porque, é um belíssimo filme num impressionante preto e branco fotografado por Manuel Costa e Silva.
Naquele tempo, nos cinemas de estreia, e não só, eram distribuídos programas. A maior parte eram simples folhas com a ficha técnica do filme e uma série de anúncios a lojas do comércio local do cinema e marcas generalistas de produtos. A distribuição era gratuita mas existia um “gentelemen agreement” que terminava em dar uma moeda ao arrumador em troca do programa..
Mas o programa de “Uma Abelha na Chuva” não era uma mera folha, mas sim um trabalho cuidado e bem feito: oito páginas ilustradas, um artigo de António Pedro Vasconcelos a contar das dificuldades do novo cinema português, uma selecção de declarações de Fernando Lopes sobre as filmagens, a montagem do filme., um artigo de Eduardo Prado Coelho fazendo a ligação entre o livro e o filme, uma breve biografia de Carlos de Oliveira e, na contracapa, um extracto do poema “Cinema” de Carlos de Oliveira, extraído do livro “Sobre o Lado Esquerdo”
Nesse artigo do António Pedro de Vasconcelos, constante do programa, a certo passo, pode ler-se: “Apanhámos um táxi e já o Fernando encadeava para a “Abelha” que ele sonhava fazer, sem saber muito bem o que iria dar enquanto ia dizendo que lhe apetecia fazer a “Abelha” porque via um filme que abrisse com um tipo que atravessa uma praça de madrugada, entra num café, pede um “brandy” volta a sair e vai entregar uma carta a um jornal de província. Devíamos estar em 1963.”
É o começo do livro que ontem foi publicado.
Eram os anos 70 na Lisboa convencional de então, perdida entre uma primavera marcelista, se é que isso alguma vez existiu, se o foi finou-se rapidamente, e o caminhar, lento, muito lento, quase invisível, para uma certa madrugada.
Tanto Carlos de Oliveira como Fernando Lopes eram declarados oposicionistas do regime. Não espanta por isso que a exibição do filme tenha sido, sistematicamente, boicotada pelas distribuidoras. A “Lusomundo” , desculpando-se (?) dizia que o filme era “hermético”.
A todo o tamanho da 1ª página do Suplemento Literário do “Diário de Lisboa” de 7 de Abril de 1972, poderia ler-se:
“Onze mil metros de fita revelada para dois mil a ver na tela; oito semanas de filmagem para mais um ano de montagem; cerca de oitocentos contos de custo total, com os juros e mais os gastos de uma produção que não tinha à partida os capitais suficientes; um filme português arrancado a ferros: “Uma Abelha na Chuva”; gente do filme a ganhar cem escudos por semana na Figueira da Foz, almoçando sandes: máquina Arriflex por empréstimo; a pensão por pagar; duas cópias para circulação comercial do filme de filme de Fernando Lopes que vai aparecer em Lisboa; um discurso filmico que se inspira num texto de Carlos de Oliveira; ou uma proposta decisiva para a modernidade que nós, os de hoje, exigimos do cinema português.”
Fazendo a crítica ao filme, em “A Capital” de 17 de Abril de 1972, escreveu Afonso Cautela:
“Uma Abelha na Chuva”: “de como o cinema pode mostrar o que se não vê, dizer o invisível, escutar o que não se ouve.”
Sem comentários:
Enviar um comentário