4 de outubro de 2008

MORREU DINIS MACHADO

Morreu ontem Dinis Machado. Nasceu, em Lisboa, em 21 de Março de 1930.

Gostava de escrever um texto bonito sobre este homem por quem tinha uma ternura especial, como velho jornalista, boémio e escritor mas reconhece a incapacidade. “Há homens que não são fáceis de adjectivar”, tal como ele escreveu na morte do seu amigo e camarada de profissão Roussado Pinto.

Escreveu meia dúzia de livros: três policiais, com o pseudónimo de Dennis McShade , três ou quatro livros onde reuniu crónicas publicadas em jornais e revistas. Mas ficará para a história por um só livro: “O Que diz Molero”

Um livro bem gozado, do arco-da-velha, saudável, feito à base do seu “sótão de infância”. Lembra os dias no bairro da infância, com a malta a fumar às escondidas, a meter golos de trapeira nos vidros das janelas da vizinhança, os concursos de ver quem mija mais longe, as alcunhas deste e daquele, os concertos de campainhas de porta. Uma aventura formidável, autentico passe de mágica ou, como escreveu o Luiz Pacheco: “uma feira, um tropel de gente, uma festa popular de malucos e malucas, tudo chalado, uma alegria enorme quase insensata

Publicado em 1977, a edição de “O Que Diz Molero”, que tem é a 4ª e na badana Eugénio d’Andrade deixou escrito: “é uma alegria este livro”. E é, realmente. Se nunca o leram façam-no agora e com carácter de urgência.

“Último cliché do bairro, enquadrado na cidade, e esta no rio, envolvendo o segundo amor da sua vida, que o primeiro, esse terá sido, segundo apurou Molero, a Greta Garbo, temos um poema dedicado à menina Mariana, formosa e intangível, a mais fugaz e pudica das aparições lá numa janela alta, o seu Amor de Perdição, caiu nas mãos dele, certa noite, o romance de Camilo, leu-o de um fôlego, enfeitiçado pela maneira como uma simples história de amor pode assumir a grandeza, estava repleto de febre e de Simão quando rompeu a Aurora”, disse Austin, e fez uma pausa. “O poema diz: Há pombos esquecidos nas estátuas desta cidade naufragada. Mastros de sombra escrevem o teu nome e em cada letra reconheço a madrugada. Mulheres e homens, enlaçados de cansaço, dormem um sono fundo, com raízes. Das margens desse sono se levantam as pedras das palavras que não dizes. Foge o mar dos meus dedos entre a noite, e a noite é uma canção que te procura. Nos meus olhos ardem estrelas encharcadas que rodeiam de azul a tua altura. Cada esquina é um cais à tua espera. Faróis e candeeiros chamam por ti. Como um sonho deslizo e permaneço na rua da janela onde te vi. Finalmente os pombos largados, partindo desta estátua que tu és”.

É um excerto de “O Que Diz Molero”. O ano passado, quando se comemoraram os 30 anos da publicação do livro, foi editado pela Livraria Bertrand, uma edição especial. Pelo meio pode ler-se: “Leduc foi um homem feliz e um homem feliz é um drama.”

Na morte de Dinis Machado lamenta não saber fazer melhor. Outros fá-lo-ão, necessariamente.

2 comentários:

Anónimo disse...

dinis machado foi um caso único na literatura portuguesa.
injustamente quase sempre ligado a um livro magistral, provavelmente dos melhores que a literatura portuguesa já produziu.
a sua dimensão é tão grande que quase se torna impossível escrever algo 'imitativo', de tão forte saiu aquele 'molero'
com as devidas distâncias, é uma espécie de 'ulisses', que também ninguém se aventura a escrever algo 'ao estilo'.
mas é injusto, porque o dinis machado foi um cronista de primeira água.
acutilante, sempre a fazer-nos puxar pela memória ou pelas intrincadas relações do textos com o cinema, os livros, as ruas.
tive a sorte de ainda o ter conhecido nos meus tempos de adolescente no bairro alto, quando este era o centro dos jornais de lisboa. (a ele e a muitos outros, felizmente).
depois saiu mais daquelas áreas para a editora da bertrand on dirigiu o tintin que tinha a particularidade de juntar numa mesma revista as duas grandes rivais do eixo franco-belga, que ao tempo dominava a banda desenhada europeia: a tintin e a pilote.
e como se isso não bastasse, ainda fez publicar numa colecção que (acho) era por si dirigida (a rififi), dois dos melhores livros policiais que já li: requiem para d. quixote e a mão direita do diabo.
era um homem duma cultura fabulosamente rica.
uma das suas últimas entrevistas, a adelino gomes, no público, é obrigatório ler:http://static.publico.clix.pt/docs/Cultura/DinisMachado.pdf

T disse...

Uma homenagem imprescindível. Obrigada aos dois.