25 de agosto de 2008

Salvador

I
N. diz-me vezes de mais "sou feliz" para que acredite nele. Porém, como sói dizer-se, tem tudo para o ser: um negócio que funciona, uma mulher linda, um filho (diz ele) inteligentíssimo. De certa maneira compreendo-o: se estivesse no lugar dele, seria feliz? Não sei.

Não sei se se é bourlingueur porque se é infeliz, ou vice-versa; não sei se Salvador é a cidade ideal para um bourlingueur; não sei sei se há uma cidade ideal para se viver, para se ser feliz.

II
Salvador tem 3,500,000 de habitantes (mais ou menos. Ninguém sabe, na realidade). Desses, 70% vivem em favelas (ou mais. Ninguém sabe). Ou seja: em Salvador, há cerca de um milhão e pouco de pessoas a viver em casas "normais", provavelmente, e dois milhões e qualquer coisa a viver em bairros infectos.

Em Salvador, a incerteza começa nas coisas mais básicas.

III
De onde vem, esta obsessão que alguns povos têm por si próprios? No Brasil, como em Portugal, não há conversa que ao fim de cinco minutos não descambe para o "o Brasil", "o povo brasileiro", ou - pior de todas - "a mentalidade brasileira".

O tema aparece em todas as conversas, seja com quem for, e é fatigante, estéril, inútil.

IV
O serviço é péssimo, em geral. E quando não é péssimo, é pior ainda.

V
Normalmente apanho o autocarro do aeroporto para a cidade. Hoje vejo no jornal que essa linha é frequentemente alvo de ataques.

Acho que não vou mudar para o táxi: a diferença de preço não compensa a ausência de medo (ou inconsciência, para quem prefira), a pouca frequência das viagens, um ratio de probabilidades que me é bastante favorável; nem a chegada à praia de Itapuã, depois de um horrível trajecto numa rua cheia de lojas indescritíveis; nem o longo trajecto pela costa até à Barra.

VI
Numa hora de Salvador vejo mais mulheres do que numa semana de Rabat.

VII
O que mais me fascina nas mulheres brasileiras é a sensualidade. Não são particularmente bonitas, nem tão bem feitas como a propaganda o desejaria; mas até a mais gorda e desdentada das mulheres consegue ser sensual. Este país vive do e para o sexo, e é o sexo que o explica.

VIII
Magarogipe é uma pequena cidade nos recônditos da Baía de Todos os Santos que já foi bastante próspera, devido ao tabaco. Hoje é uma coisa pobre, arruinada, desinteressante no meio de um cenário fabuloso. A capacidade que alguns povos têm de aproveitar o seu potencial e o explorarem e com ele enriquecerem é muito menos fascinante que a capacidade que outros têm de não o fazer.




4 comentários:

T disse...

Há um amigo meu que diz que as brasileiras estão a roubar os maridos às portuguesas porque: São alegres e bem dispostas, não sarrazinam, são arranjadas e adoram festa.
Qualquer dia vira fenómeno sociológico:)
Giro o texto Luís:)

Anónimo disse...

Angustiante...

Luísa A. disse...

É engraçado, Luís, como as palavras tornam interessante o que os olhos decerto não achariam. Já decidi que me vou ficar pelo que me fez imaginar dessa cidade «das incertezas». Prefiro não aprofundar... :-)

Luís Serpa disse...

Faz mal, Luisa, faz mal - mesmo se lhe devo agradecer o elogio, que me toca, e muito.

Não sou turista em lado nenhum, raramente o tenho sido, e Salvador vai tornar-se um dos meus locais de trabalho.

Que dizer-lhe? Que o que os olhos não vêem o coração pode sentir? Aos poucos, a contra gosto, "malgré moi", começo a gostar desta cidade, da gentileza das pessoas, da informalidade, da bonomia... Já na adolescência aprendi que gostar de alguém é gostar dos seus defeitos. O mesmo se pode aplicar às cidades, não acha?

Hoje passei um dia que parece a ilustração perfeita desse aforismo. Cada vez me parece mais verdadeiro, e Salvador mais amável.