3 de junho de 2008

o vale pardieiro e a vontade de mudar rumos







vale pardieiro não é nome que se tenha.

terá sido por isso que os seus habitantes de lá fugiram todos? seguramente que não. basta lá ir uma vez para saber quão árduo deve ter sido viver ali.
hoje não mora lá ninguém. 
o seu último habitante permanente saiu há algum tempo para um lar, que viver sozinho numa terra isolada do mundo não deve ser tarefa fácil.

mas, em tempos, o vale pardieiro era uma terra pujante de força. e de
oportunismos alimentados pela força.
como acontece nas terras da serra do açor, as casas das aldeias estão colocadas sempre nos piores locais.
onde há menos água, onde a inclinação do terreno é mais acentuada, ou nos cumes dos montes.
os terrenos menos péssimos, no meio daquele xisto desfeito com as enxadas aos longo dos anos, são aproveitados para cultivo.

no vale derradeiro a ocupação humana fez-se num cabeço sobranceiro a uma curva em cotovelo do rio ceira, a uma cota de, pelo menos, uns 50 metros acima da linha de água.
é como se as pessoas morassem empoleiradas em cima do monte sobre o rio que abraça a aldeia.

este ano, numa daquelas tardes de domingo em que faço tempo para regressar aqui acima, dei uma saltada para fotografar o túnel do vale pardieiro e encontro um dos moradores de fim de semana e férias.
como acontece sempre nestas alturas, ao ver por ali um forasteiro com ar de turista, pergunta-me quem sou, de onde venho..., e se já tinha ido ver o túnel, ao que respondo que foi esse o propósito da minha visita.
vem então a minha vez de fazer perguntas.

conta ele que, não sendo da terra, mas tendo casado lá (gosto deste termo que define, não o local onde se casou, mas a localidade do cônjuge), conhecia a história do túnel pela sua sogra, cujo pai tinha trabalhado nele.
os terrenos que marginavam o rio ceira, por razões que ninguém sabe explicar, eram, no começo do século 20, de 'um senhor' de folques.
(é interessante esta posse de folques sobre os terrenos da freguesia de fajão, já que, durante alguns séculos, os fajaenses tiveram que pagar tributo aos monges do convento de... folques).
o rio ceira era (e ainda há dois anos voltou a mostrar isso) um rio bipolar.
tão depressa corre vazio, como de repente rebenta com tudo à sua volta.

a curva de quase 360 graus que o rio ceira faz em volta do vale pardieiro fazia com que em época de cheias as águas seguissem em frente invadindo aquela baixa de terreno com terra (!!!!, porque terra é coisa muito escassa na serra do açor, como sabem), e estragasse a produção agrícola.
vai daí o dito 'senhor de folques' convence os habitantes da aldeia a escavar um tunel que desviasse o curso do ceira, fazendo-o passar por baixo da aldeia e deixando passar apenas a água necessária para regar aqueles terrenos.
à força de picaretas e muito músculo, os homens e mulheres da aldeia começam a escavar sob as suas casas até atingir o outro lado do montículo onde moravam.
um grosso paredão do lado montante ajudava a água a encontrar o seu caminho para o túnel e regressar ao seu leito original 50 metros depois.
esses terrenos têm hoje outros proprietários, estão completamente abandonados e já ninguém se coloca na ponta do vale pardieiro para ver a linda curva que o ceira em milhares de anos moldou e os homens de vale pardieiro em muito poucos anos trataram de corrigir.
nas cheias de 2006 o paredão deu de si um bocado e a água quase voltou ao seu leito original...

1 comentário:

Cuida-te disse...
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