8 de abril de 2008

A ofensiva (Parte III)

(continuação)

Sócrates, impaciente, olhava o relógio.
- Atenção, senhores Ministros. Preciso mesmo muito de uma ideia para uma grave ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. Já estou farto fartinho de ver ainda montes de portugueses a jantar fora, nos centros comerciais carregados de sacos e saquinhos de compras. Temos de terminar com isto, porra.
- Vamos apertar-lhes os narizes e ver quando tempo aguentam sem respirar – atirou Luís Amado.
- Vamos acabar com as folgas e reduzir os dias de férias – disse Vieira da Silva.
- Vamos fechar os hospitais aos trabalhadores que recebam menos que 400 € mensais – defendeu Ana Jorge.
- Vamos para a cama com as mulheres dos trabalhadores – disse o rapaz da Telepizza.
- Hã.... espera lá, quem é você e o que faz aqui? – perguntou, indignado, Sócrates, fitando de olhar fulminante o rapaz.
- Ops – disse, Jaime Silva, desculpando-se – fui eu que pedi uma pizza.
- Tá porreiro, Jaime – condescendeu Sócrates – afinal, com o teu bom trabalho na agricultura daqui a mais uns anitos só mesmo pizzas e hambúrgueres congelados.... ehehehehehe... três vivas ao Jaime... ahahahahahaha
- Viva o Jaime! Viva o Jaime! Viva o Jaime!
Sócrates levantou então a mão direita, pedindo silêncio. A exposição de clips retorcidos aguardava-o e não havia mais tempo a perder.
- Se ninguém tem uma boa ideia acho que vou para uma carga policial sobre os professores.
- Mas a manifestação já foi, meu Primeiro. – disse, Mário Lino, enquanto comia uma fatia de pizza, roubada a Jaime Silva enquanto este assinava um indeferimento a um subsídio qualquer que nem lera. Fazia-o sempre porque achava piada à palavra indeferimento.
- Mas... ó Rui Pereira... não mandaste tirar os nomes àqueles gajos? Manda-se as polícias a casa deles fazer a carga...
- Eu.... bom.... eu acho que sim... mas acho que há para aí uma listazinha... mas foram tantos...
- Tantos, Rui Pereira... meia dúzia queres tu dizer...
- Acho que foram mesmo muitos, meu Primeiro – confirmou Maria de Lurdes Rodrigues – para aí uns cem...
- Ah... só cem... isso não são muitos.
- Cem mil, meu Primeiro.
- Epá, cem mil. Mas temos cem mil professores em Portugal? Não fazia ideia... mas isso dessa manifestação foi quando, Lurdinhas? – perguntou, surpreso, Sócrates.
- Foi no sábado!
- Ahhh... fui com a namorada ao cinema... Mandaste prender alguém, Rui?
- Humm... não! Se calhar tinha sido boa ideia fazer a tal carga policial... – disse Rui Pereira, meio desalentado.
- E porque não a fizeram? – indignou-se Sócrates.
- Eu pensei nisso mas... podíamos acertar na mulher do Costa – respondeu, cauteloso, o ministro Rui Pereira.
- Não interessa. Um governo convicto e determinado como o nosso não se pode deter perante esses pormenores. Merda para vocês... Tenho de ser eu a fazer tudo sozinho. Tudo o que me interessa é fazer graves ofensivas contra os trabalhadores e os seus direitos. É pedir muito que me ajudem a ter ideias? Quero lá saber de estradas e sei lá mais o quê... Anda aí muito trabalhadorzeco a pedir um arraial de porrada. Quero mais dinamismo, mais garra, mais maldade, mais terror, porra...
Desiludido, Sócrates saiu da sala, levando consigo Silva Pereira. À porta voltou-se e disse aos seus ministros:
- Quando saírem, vejam lá se acordam o Mariano Gago para ele não passar outra vez aí a noite. A mulher dele já me ligou dezenas de vezes a dizer para não me esquecer de o acordar.

FIM

(uma ficção de Jerónimo Sousa)

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