A imagem que nos chega das favelas é invariavelmente de uma espécie de Texas em versão cobóis pós-modernos: gangues aos tiros, droga, desgraça total.
E, contudo, a realidade é muito mais interessante que estas meias ficções. Sim, há guerras entre gangues, e incursões da polícia, e uma ou outra bala perdida que, muito raramente, faz uma vítima inocente. Coisas que aos nossos olhos assépticos, urbana e impecavelmente europeus, de fato, tailleur ou pólo de marca, causam medo e um reflexo de fuga. Só que reduzir as favelas a esta caricatura de filme série B, mais que redutor, é um erro grave de avaliação.
A Rocinha é alegadamente a maior favela do planeta – são, pelas estimativas locais, cento e cinquenta mil almas que se esmifram no dia a dia para prosseguir com a sua vida. O que é verdadeiramente extraordinária é a metamorfose que, lentamente, se está a verificar na Rocinha. De um amontoado anárquico de barracas está a desenvolver-se uma estrutura social coerente que, continuando a ser a última saída dos muito pobres, demonstra que o ser humano arranja sempre uma maneira de dar a volta por cima. E os sinais de evolução, discretos mas seguros, aí estão. O pequeno comércio fervilha. Há empresas organizadas dentro da Rocinha, nomeadamente de moto-táxis – o sítio é incrivelmente empinado e as ruas são estreitas, pelo que a mota é o meio de transporte por excelência. Há bancos importantes, como o Bradesco ou o Itau, que abriram delegações dentro da Rocinha. Existe o equivalente das nossas Lojas do Cidadão. Cadeias de frutarias que se encontram nos melhores bairros do Rio abriram lá lojas. E, muito importante, muitos habitantes que, anteriormente, quando davam o endereço diziam morar na Gávea ou em S. Conrado, os dois bairros limítrofes de nível social elevado, hoje dizem sem problemas (e até com algum orgulho) que moram na Rocinha.
Não, este não é um post do turista que vai lavar a alma em auto-complacência sobre a miséria alheia e regressa feliz à civilização. É a percepção de que algo está a acontecer naquele lugar, não sei se uma estrutura nova, se a rampa de lançamento de um modelo diferente de organização da sociedade. Claro que no fim este fenómeno poderá não dar em nada e apagar-se, à medida que a sociedade brasileira evoluir em termos de bem estar social. A verdade é que o esforço de sobrevivência sobre-humano aliado ao optimismo daquelas gentes me faz pressentir que o futuro passa por ali.
1 comentário:
VOCE NÃO SABE NADA DA ROCINHA
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