Sempre conheci em Lisboa, nas zonas mais pobres as chamadas puxadas de electricidade. Roubava-se e rouba-se luz à companhia, do poste mais próximo ou ao vizinho mais ingénuo. Agora é a internet sem fios que permite umas borlazitas.
No século XVII era com a água. As histórias que Matos Sequeira repescou nas demandas e litígios entre Câmaras e particulares são bem interessantes. Muito peculiar e actual a história de mestre Guilherme.
"Em 1660, António Andrade de Gamboa, dono da quinta da Horta Navia, à ribeira de Alcântara, canalizara para uma horta, parte da água da fonte que ali havia e que desde tempos imemoriais estava de posse da Câmara. Bramaram contra a extorsão os moradores do sítio. Mandou-se-lhes repor a água. O Gamboa não obedeceu, sacrificando ao bem crescer das couves o seu sossego pessoal. Exasperou-se a Cãmara e tirou-lhe a água à força.(...)
Em 1671, um tal Domingos Monteiro, distraíu para dois poços que tinha numa horta aos Anjos, a água da fonte que ali se tinha descoberto., há pouco, por sinal de grande eficácia para os achaques da pedra.(...)
Para finalizar temos em 1714, a formidanda questão da bica dos Olhos de àgua, na rua Salvador Correia de Sá (depois calçada de S. João Nepomeceno e hoje rua Caetelo Branco Saraiva) cuja água vinha do monte de santa Catarina E o caso foi este:
Morava achegado à fonte, um cirurgião inglês de nome Guilherme, que por descobrir na linfa de Santa Catarina propriedades medicinais ou por pretender fazer fortuna com elas ou ambas as coisas, a canalizou para dentro da habitação , abastecendo um grande tanque onde tomava e dava banhos,
Queixaram-se os moradores do sítio da diminuição que padecia a água, primeiro a ele, que não fez caso, depois à Câmara. Esta interveio, notificou ao cirurgião que não impedisse a água e, como ele não obedecesse, foram lá os alveneís na intenção de escangalhar aquilo tudo. Resistiu ainda o inglês não com razões, mas com toda a sorte de impropérios e insultos, e os alvaneís retiraram deixando em paz Mestre Guilherme porque o enviado especial de Inglaterra ia lá tomar banhos com ele.
A Câmara teve que engolir em seco os palavrões do cirurgião para bem da diplomacia, mas logo que S Exª deixou de mergulhar no tanque do cirurgião, mandou dar cabo dele.
Ponto Final"
Gustavo Matos Sequeira, Depois do Terramoto, 1934
(Notas: adoro a palavra formidanda e conservei a grafia Caetelo mas que penso ser gralha no nome da rua)
Sem comentários:
Enviar um comentário