2 de outubro de 2006

Pró-posta: um esboço

Call me Ishmael! gargarejou Ismael, a minha arara, dependurada do lustre da cabine ameaçando ruína. Curvada sobre as cartas R, com ar de poucos amigos, franziu o sobrolho perante este pio desconcentrador. Não era a primeira vaza que lhe saía furada por causa do estupor do pássaro. Os restantes companheiros de jogo, Carlos, T e Ruinzolas, mascavam pistachios semi-bolorentos que empurravam para baixo à força de goles de grogue. Os balanços do veleiro davam vida às cartas sobre a mesa, fazendo que dançassem suavemente de um lado para o outro. Um aroma a peixe grelhado vindo das docas adjacentes emprestava à cena um ar de tasca argentina em dia de finados. Servi-me de mais pisco e regressei ao jornal da semana anterior, cuja tinta a desbotar me enegrecia os dedos. Na popa Orlando, com ar sonhador, afagava as cordas do violão meio empenado, em busca da inspiração que parecia ter saltado a amurada e nadado para longe. Os outros tinham saído juntos. Estariam a emborcar álcoois manhosos nos bares das redondezas, ou a comprar quinquilharia por preços absurdos. O entardecer sumia-se, vagaroso.

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