Como bisneta de brasileira e tia de umasobrinha maravilhosa luso-brasileira, cumpre-me citar com gosto:
Uma das coisas que mais me fascinam no Brasil é a nossa relação com Portugal.
À diferença de todos os outros países do mundo que um dia já foram colônias, não sentimos pelo nosso colonizador nenhuma mágoa. Mas também nenhuma admiração. Nem mesmo desprezo. Tampouco inferioridade. Não cultivamos nenhuma rivalidade. Nem sequer um sentimentozinho conflitante de amor-e-ódio que seja.
Não achamos que os portugueses nos exploraram – ao menos, não na intensidade que os nossos vizinhos latino-americanos entendem que foram explorados pelos espanhóis. Raramente acusamos os portugas de terem exterminado as nossas populações indígenas (porque, apesar de adorarmos comer farofa, nos consideramos tão diferentes dos índios quanto os australianos de seus aborígenes).
Não consumimos cultura portuguesa – mas achamos perfeitamente normal que os portugueses consumam a nossa (cultura de massa, bem entendido).
Não nos interessamos por saber o que acontece em Portugal. Há mais notícias sobre Guiné-Bissau e Moçambique nos jornais portugueses do que notícias sobre Portugal nos jornais brasileiros.
E o que é mais grave: mesmo sem absolutamente nenhum indicador social que justifique tamanha pretensão, lá no íntimo bem que continuamos a nos achar mais “desenvolvidos” que Portugal.
Nem os Estados Unidos conseguem nos superar em complexo de superioridade com relação a seu colonizador. Por mais que saibam que são (e eles, de fato, são) mais ricos que a Inglaterra, os americanos não deixam de se sentir menos cultos e com menos classe do que os ingleses.
No fundo, vemos Portugal como os americanos vêem a Irlanda – um lugar pobre da Europa que nos mandou imigrantes que falam a nossa língua.
(Que a nossa língua tenha sido inventada em Portugal é algo tão fortuito quanto o fato de o nosso futebol ter nascido na Inglaterra ou a circunstância de a nossa Gisele ter começado a ser produzida há algumas gerações na Alemanha.)
Depois que saímos da escola, só lembramos de Portugal como nosso colonizador para reclamar da inépcia administrativa e suspirar pela expulsão dos holandeses. Ah, se a Holanda tivesse ficado! (Concordo. Tudo seria diferente: seríamos um grande Suriname; a maior das Indonésias; uma imensa África do Sul.)
Mesmo ignorando quase tudo o que vem de Portugal e diminuindo sistematicamente o papel de Portugal na formação do Brasil, temos por Portugal uma simpatia que poucos países têm por algum outro. E certamente nenhum país do mundo tem por seu colonizador.
Por acaso a Argentina ou o México prenderiam a respiração para torcer pela Espanha? Os Estados Unidos (ou a Índia!) se embandeirariam para trazer sorte à Inglaterra?
Pode parecer que o Brasil inteiro hoje está com Portugal por causa do Felipão. Mas a verdade é que estaríamos com eles de todo jeito.
Portugal é naturalmente o nosso segundo time. Mais ou menos como o América é o segundo time dos cariocas. Ou como todo paulistano, depois que seu time fica sem chances, passa a torcer pela (não falei?) Portuguesa.
Claro, com o Felipão tudo vai ficar ainda mais emocionante. Vamos poder até fazer de conta que estamos torcendo pelo Brasil.
Mas que os portugueses não se enganem – mesmo sem esse carcamano de Caxias do Sul no banco, nosso coração seria de Portugal.
Porque temos por Portugal a simpatia que... bem, a mesma simpatia um colonizador sentiria por sua colônia predileta.
Escrito por Ricardo Freire AQUI
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