15 de maio de 2006

Que se lixe a cerveja...

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Lisboa era uma enorme cuba de fermentação de cerveja, em laboração contínua. Estava no auge do Euro 2004 e os gerentes de restaurantes, bares, cervejarias, cafés, tascas e afins esbracejavam, gritando aos telemóveis, implorando às distribuidoras a rápida reposição de stock do precioso líquido, que jorrava quase ininterruptamente ao longo do dia e noite. O débito das torneiras era impressionante e a meio da manhã, os níveis das cubas estavam abaixo da reserva. Só uma acção concertada do S. Martinho, com o pagão Baco, mediada pelo popular (e residente) Santo António que, não duvido, terá negociado alguma cota de mercado nas festividades do seu culto pessoal, terá permitido que tanta gente mantivesse em constante funcionamento os seus sistemas de depuração sanguínea. Por toda a baixa Lisboeta, tomada desde muito cedo por milhares de adeptos, na sua maioria britânicos que entoavam os seus cânticos, rivalizando com as modas das festas dos Santos Populares. Rivalizavam os cânticos e os cheiros, já que à falta de sanitários em número suficiente, nem a sardinha assada conseguia impor o seu perfume!
Os excessos, uns mais tolerados que outros, surgiam por toda a parte e manifestavam-se não tanto pelo seu impacto na fuga à “normalidade”, mas mais pela frequência com que se praticavam. Falo claro do excesso de ruído, ocupação de vias de trânsito, desrespeito pela sinalização e claro, as tradicionais demonstrações de projecção do xixi em comprimento (versão masculina, mais comum e internacionalizada), e na importada variante feminina, sem dúvida mais rara por estas paragens, mas de longe mais espectacular.
A missão das forças de segurança era manter esta mole de gente em euforia etilizada dentro do razoável limite do admissível, cabendo aos responsáveis das forças no terreno manter as coisas controladas.
Numa das noites que antecederam um jogo da selecção inglesa, parecia que Trafalgar Square se tinha transferido para o Rossio. A proporção de fiéis adeptos das equipas ainda em competição era esmagadoramente favorável em número para os súbditos de Sua Majestade. A quantidade de “infiltrados” em missão de controlo era a normal e cerca das 23H30, foram dadas ordens precisas para o encerramento de todos os estabelecimentos, em especial os mais próximos da Praça D.Pedro IV. A concentração de “suporters” contudo, não arredava pé e aumentava cada vez mais junto à confluência da Rua da Betesga com o Rossio e a Rua da Prata. Parecia a Praça de S.Pedro em dia de Pontifica aparição pública.
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- Raios, já fecharam todas as “tascas” e a malta não arreda pé!
- Pois é Chefe, não estão com muita vontade de ir embora. Sem cerveja, ainda desatam a partir montras e portas dos estabelecimentos para ir beber à força.

A turba de gente, concentrava-se cada vez em maior número e reparei que todos olhavam para uma varanda do Hotel Internacional. Os câticos de apoio à Velha Albion, tinham sido trocados por vários gritos dos quais se percebiam alguns “come back” e “come on… take-off that…”. Intrigado, aproximei-me, tentando vislumbrar os motivos porque todos olhavam para o ar. Mas nada se via. Decidi então abordar um português que avidamente esbugalhava os olhos em direcção de uma varanda do hotel.

- Tá animado isto aqui!...
- Oh pá, tá demais; uma delicia… tá uma gaja ali dentro que disse que ia mostrar as mamas à varanda – informou-me o deliciado lusitano, sem ousar desviar os olhos da dita varanda – só faltam umas cervejinhas.

Imbuído de “elevado espírito de missão”, não tardei a fixar o olhar no balcão, decorado com a bandeira inglesa e de onde a qualquer momento se aguardava a pública aparição da ousada menina. Por várias vezes, uma vistosa loiraça, aproximava-se do varandim e ameaçava retirar a t-shirt que lhe cobria o tronco. Cada vez que o fazia, a populaça, em uníssono, disparava em alvoroço os mais variados gritos de incitamento, desafios, enfim, um autêntico rol de expressões e orações pejadas do mais baixo vernáculo multilingue. Alguns, mais desesperados, faziam tentativas para trepar pelos ornamentos arquitectónicos da bela fachada do Hotel onde a ninfa, em moderna versão da Shakespeariana Julieta, incitava os potenciais e etilizados Romeus. Alguns, à boa maneira britânica, faziam apostas entre eles, jogando o número de vezes que ela apareceria até expor os seus atributos, outros prometiam-lhe noite de sonho como ela nunca tivera. A portaria do hotel estava fechada e reforçada por vários polícias que a custo conseguiriam fazer recuar quantos não arriscavam opções radicais de ataque ao castelo e preferiam a segurança das escadas e elevadores. A carga policial estava eminente e a donzela continuava a fazer as suas ameaças de exibição. Eis então que, um dos principais responsáveis policiais no local, perante a eminência de uma intervenção que por certo mancharia a imagem quase exemplar do evento nacional nos olhos do mundo, teve um rasgo de génio, ao reparar que, apesar do espectáculo eminente estar a atingir o auge, os bifes continuavam a protestar contra o encerramento dos locais de venda de cerveja. Encarregou-se de fazer passar a palavra que, na zona do Bairro Alto, a cerveja ia ser vendida a preços mais módicos e estavam próximas várias “happy-hours”. Em breves segundos, o efeito passa palavra, teve o efeito desejado. Era vê-los a perguntar onde era esse tal de Bairro-Alto. A multidão iniciou a sua peregrinação no momento preciso em que a moçoila, talvez por ver a multidão em debandada e ver-se ferida na sua popularidade, debruçada sobre o vazio do balcão, retira a camisola e exibe as mamocas à populaça, agitando-as, enquanto gritava uns guinchos de chamamento ao seu rebarbado público. Esperava-se nova investida da audiência em dispersão, após tamanha provocação e por breves instantes veio-me à lembrança a célebre cena do filme Apocalipse Now em que Frederic Forrest, o Jay “Chef” Hicks, acompanhado dos restantes camaradas, quase devoram as coelhinhas da Play-boy, em pleno Cambodja. Mas, surpresa das surpresas, enquanto aquela visão se mantinha, suspensa e em exibição pública, a maioria dos conterrâneos da candidata a “coelhinha”, afastava-se, com o argumento unânime de que aquelas maminhas eram uma vergonha e não eram dignas representantes das súbditas de Sua Majestade; o Bairro-Alto é que estava a dar.
Contudo, alguns dos assistentes não arredavam pé. A grande maioria, portugueses, franceses, espanhóis, que até aí, pouco se tinham notado no meio da maioria britânica. Abordei novamente o interlocutor que me informara acerca do que ali se passava
.
- Então amigo, grande espectáculo, eh! eh!
- Podes crer, mano… quero lá saber da cerveja, meu!

Na verdade, há diferentes formas de viver a vida, ehehe!
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fotos retiradas daqui

Nota: esta estória está ligeiramente alterada, embora mantenha o essencial da realidade. A menina na foto, é a "diva" referida e continuo a procurar, incessantemente, uma foto dessa memorável noite :)

6 comentários:

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