10 de setembro de 2014

'Os Maias' de João Botelho : notas soltas (e muito pessoais) entre ficção e realidade



Os Maias , romance a merecer, desde sempre, longa metragem, acaba por ver o desígnio cumprido. O enredo, a abranger diversas gerações, desfila ante o nosso olhar, parecendo preencher de modo satisfatório o imaginário que construímos, aquando da(s) leitura(s). O patriarca da família, Afonso da Maia, é-nos apresentado no vigor da idade, num registo, até de som, a conduzir-nos a uma distante época do cinema a preto e branco (lembrei-me das longas de Leitão de Barros), marcando, com sucesso, a técnica do flashback. A narrativa em “tempo real” dá lugar à cor, discreta, acentuando o avanço no tempo. Cenários a reproduzirem uma Lisboa de outrora, com a Casa Havaneza e a Brasileira de oitocentos, afiguram-se modo inteligente de recriar, com sucesso, os finais do século dezanove. Os interiores, esmerados, coincidem com as decorações que visualizamos, ao longo da leitura do romance. Tratando-se de uma apreciação impressionista (a escriba não tem pretensões de crítica, assumindo-se, em primeira instância, enquanto leitora), salientam-se as personagens de Afonso da Maia e de João da Ega, muito próximos do imaginário gerado pela leitura pessoal e repetida, quer na qualidade de estudante, quer na de docente que, por diversas vezes, regressou às deliciosas linhas queirosianas. As personagens femininas, de uma beleza dos nossos tempos, parecem distanciar-se do padrão da época: mulheres magras, esbeltas, ao contrário das personagens femininas descritas, na obra, como tendo formas algo arredondadas. Será ligeiro apreciar um filme com a duração de três horas em meia dúzia de linhas. A verão comercial, prestes a ser estreada, terá duração mais curta. No entanto, exige mestria a adaptação de um texto extenso de descrições detalhadas, o que nos parece ter sido alcançado. Marcou o simbolismo da queda de um varão de metal e da pesada cortina que sustenta, num dos momentos mais altos do enredo, quando o elo de parentesco a unir Carlos da Maia a Maria Eduarda é revelado ao patriarca da família. A adaptação respeitando, nos diálogos, a fina ironia queirosiana, prende-nos ao ecrã . Olhando a novidade na perspetiva da docente (sem descurar a da leitora), encara-se a nova ferramenta, a longa metragem, como sendo útil na motivação (e descodificação) à leitura dos jovens, cuja faixa etária e solicitações do presente tornam tentadora a leitura de resumos ‘estafados’ que pretendem sistematizar o romance, levando, por diversas ocasiões, à apresentação de trabalhos saturados de observações repetidas, plenas de lugares-comuns. Admiradora de A Cidade e as Serras, pensa-se : “para quando a adaptação à sétima arte?”.
Saída da ficção para a realidade (do Cinema S. Jorge para o estacionamento), olho os gatos que agora povoam um Parque Mayer quase desertificado, pensando como são distantes, em estatuto, do bem nutrido Reverendo Bonifácio, a mascote de Afonso da Maia.

1 comentário:

Graça Sampaio disse...

Mas o Reverendo Bonifácio já estava muito velhote e não precisava de fazer pela vida como esses lindinhos da foto...

Tenho de ir ver o filme!