7 de fevereiro de 2013

A Singer




Adília de seu nome escolhido por ser o da madrinha lá na aldeia do sul de onde veio casada e com um rancho de filhos, para os subúrbios da capital, à procura de sustento.
A casa escura, o pingo na torneira , alumínios a arear enquanto os miúdos comem o caldo de hortaliças, ainda o sol não desapareceu, a escola fica longe e o dia começa ainda escuro.
Roupa esfregada, cada sábado de manhã, no tanque do pátio , batas brancas obrigatórias na escola de finais de quarenta, cada filho só com um destes tapa- misérias de cor branca – faz-se questão no asseio – a ter de estar seco e engomado , cada segunda-feira.
Dia de aniversário (tinha-o esquecido),  chega a inesperada oferta do seu homem, uma Singer, nunca havia recebido, nem nos natais da infância, um embrulho que fosse, nem de papel pardo e cordel. Na vizinhança desses tempos outras chaminés havia, com  bonecos de pasta de cartão, soldadinhos de chumbo, dentro de cada sapato . O filho do presidente da junta chegou a receber um boneco de corda que tocava tambor e acabou por paralisar no dia seguinte, à custa de tanta azáfama de percussionista, com toda a criançada a rodar o mecanismo.
A Singer ocupou lugares de honra a um canto da entrada estreita, com direito a cobertura chita colorida, para não entrar o pó,  almotolia ao lado, utilizada para contrariar os danos de uma casa fria e húmida. Iria dedicar-se a fazer o vestuário das vizinhas e contribuir com uma pequena abastança, a família passaria a vestir-se melhor, com as artes de costura e os retalhos da retrosaria do bairro.

7 comentários:

Luísa disse...

O que uma pessoa descobre... título de propriedade de uma máquina de costura!!!!
E custou uma fortuna!!!

Ao que parece a necessidade de costurar e lavar a roupa à Sexta para estar seca na Segunda voltou em força!! Qualquer dia ainda se vê gente a lavar nos ribeiros (na minha terra ainda se lava, mas tem sido cada vez menos gente)...

Não é que eu tenha nada contra isso (menos lavar roupa no ribeiro, devido aos detergentes que vão para a água que segue livremente e não é tratada); sou é contra os motivos que estão a obrigar as pessoas a regressar a estas "tradições". :s

teresa disse...

Acredito que, na época, o montante fosse considerável... 20 anos mais tarde, ainda comprava um bolo por uma quantia que, agora, não encontra correspondência nesta moeda europeia (quem diz um bolo, diz um café):)
E a poluição preocupa-nos nestes tempos, pois no filme de 1938, dizia-se/cantava-se que o sabão deixava os peixes da cor da prata...
http://www.youtube.com/watch?v=clrmt-sb-P4

teresa disse...

... o filme em que Beatriz Costa cantava este tema é de 39, não de 38, segundo acabei de verificar...

Graça Pereira disse...

Adorei o texto...e o preço da máquina de costura!! Histórias antigas com muito valor...cada vez mais lembradas.
Beijo
Graça

AnaMar (pseudónimo) disse...

Fantástico. Deliciosas memórias... Tenho a Singer da minha mãe cá em casa, a da minha avó (uma preciosidade não pela antiguidade, mas porque era uma das peças importantes da casa, onde as vizinhas iam costurar:-) continua na casa da aldeia.Quem me dera tê-la comigo, assim parte da minha infância e da minha família ficaria para sempre comigo.

teresa disse...

Obrigada e beijinho, Graça.

teresa disse...

As Singer fazem parte das memórias de muitos/as, AnaMar. O pequeno texto é um pouco ficcionado, mas não muito :)