8 de maio de 2011

O ciclo do bife

O CICLO DO BIFE (VII) SEXTA—FEIRA
Fui, pela primeira vez, àquele restaurante, por acaso, a uma segunda-feira e reparei aí, já não foi por acaso -  tinha mesmo de reparar -  naquela loira espampanante e no sujeito insignificante que a acompanhava. De resto, era difícil não ficar insignificante ao lado de uma coisa daquelas. No entanto, ainda pude reparar também que cada qual se batia com o seu valentíssimo bife.
Na terça—feira, ainda foi por acaso que voltei àquele mesmo restaurante e lá estava o mesmíssimo cavalheiro, cuja insignificância, desta feita, ainda mais realçava porque a morena daquele dia ainda era mais espectacular do que a loira da véspera.
Na quarta-feira, já não foi por acaso, já fui por curiosidade e valeu a pena. Terceiro dia, terceira companheira, esta ruiva, mas dócil como as anteriores aos galanteios, aos atrevimentos, às escandalosas investidas do inesperado galã. Só de ementa é’ que, pelos vistos, ele nunca mudava : era sempre bife. Por inteiro, claro. Nada de meias doses
Na quinta—feira, também não fui jantar a casa. Já agora, queria ver até onde iria a variedade de reportório e de elenco daquele consumado e invejado artista, até que ponto chegaria a sua capacidade de variar. E vi: revelando os seus talentos de conquistador multirracial, exibia agora uma mulata daquelas de fechar o comércio e que também não tinha preconceitos de qualquer espécie, pois por igual se rendia às ofensivas do companheiro.
Bruscamente, na sexta-feira, o nosso herói chegou sozinho ao restaurante. Lamentavelmente. O criado, porém, muito profissional, fez que não notou a mais que notória ausência e perguntou
O bifezinho do costume?
Mas o cavalheiro abespinhou—se todo. Não era uma simples folga, afinal. Era
uma atitude:
Bife? ...Carne à sexta-feira? . ..Francamente...
Carlos Pinhão, Revista Século Ilustrado, 1969 

1 comentário:

Luísa disse...

:D Muito bom... :D Ora francamente... aquele empregado... :D:D:D