5 de julho de 2010

Esmolas no Metro

Uns trazem cãezinhos pendurados no ombro, com uma pequena lata no sítio da trela, e abrem desalmadamente as desafinadas notas de um acordeão; outros batem com as bengalas nos varões metálicos e berram; há ainda os que martelam com um objecto de metal numa lata, enquanto com a outra mão marcam o ritmo com a bengala no chão, e murmuram uma espécie de canção; e os que, quase em silêncio, pedem “a sua moeda mais pequena”. Também os que, chegados ao fim da carruagem, e caso nada tenham recebido, ofendem quem nada lhes deu.
Cegos a pedir esmola no Metro de Lisboa.
Não há carruagem em que não apareça um. Ou mais.
Para além dos cegos, há os que o não são, mas também pedem. Tocam nos braços dos que se fazem distraídos, esticam a mão. Nada dizem. Mas lá andam.
Os passageiros terão de ser obrigados a ter diariamente este desassossego nas suas viagens? Os turistas assistem a tudo isto, olhando-se incrédulos. Um transporte público não pode ser isto.
São sempre os mesmos, mas são muitos. Novos e velhos, homens e mulheres. Todo o dia, todos os dias.
Miséria que se lamenta, indiscutivelmente.
Se não há solução para a mendicidade, que não é só portuguesa, tem de haver, pelo menos, resolução para este degradante espectáculo, que se arrasta.
A administração do Metro não tem uma palavra a dizer?

8 comentários:

lulu disse...

O meu preferido é o que martela na lata, enquanto marca o ritmo com a bengala no chão. Tem sempre um ritmo novo e qualquer dia transforma-se numa imagem de marca, como o "senhor do adeus".
A Administração do Metro seguirá aquela velha máxima do "mais vale pedir que roubar"?...

José Quintela Soares disse...

Esse é um dos que se não receber nada...utiliza um vocabulário bem pouco vernáculo.

Luísa disse...

Quando fui estudar para Lisboa, há anos, choquei-me com tantos pedintes e procurava sempre uma moeda no bolso.
Mas nos dias de hoje não dou esmolas. Em nenhuma circunstância. E quando insistem, sou muito grosseira e ameaço com a polícia.
E isto porque muitos pedintes têm capacidade para trabalhar (até os cegos poderiam procurar outros tipos de apoio). E se eu trabalho, não tenho que andar a sustentar malandros.
Mas o que me fez deixar de ajudar pedintes foram mesmo dois cegos (já não falando no mal-educadão que bate com a bengala no chão com um ritmo estranho).
Foi nos meus primeiro tempos em Lsiboa, ia a passar na estação de metro do Jardim Zoológico quando oiço esta bela discussão:
-Mas eu cheguei primeiro.
-Mas tu já sabes que este lugar é meu.
- Estou-me pouco f***ndo. Eu cheguei primeiro.
- Mas ca****o, este lugar é meu.

Tudo bem que eles não têm a vida facilitada como uma pessoa que vê, e pedir até pode ser a única forma de sobreviverem à crise. Mas... a cena foi tão forte que eu cheguei a pensar que eles iampegar nas bengalas e andar à porrada...

Agora, só ajudo instituições e mesmo assim são escolhidas a dedo, porque algumas são duvidosas...

ABS disse...

Luísa, recomendo vivamente um filme do Manoel de Oliveira: "A Caixa". É perfeito.

teresa maremar disse...

Havia um casal em tempos, sempre me lembro deles com alguma idade, apenas um deles invisual. Pediam esmola no Rossio. Antes tomavam o pequeno-almoço num café de um senhor conhecido dos meus pais, iam e regressavam de taxi.
Pouco abonatório e motivador para a adolescente que eu era.
Mas já encontrei também nas escadas do metro de Arroios, um senhor com ar tímido que me impressionou bastante. Não pedia propriamente, vendia um conjunto de esferográficas por cinco euros, que custariam 1/4 do pedido, mas jamais esqueci o seu ar envergonhado, deixando perceber que era genuína necessidade. Dei os cinco euros e dispensei as esferográficas.
Também já encontrei uma idosa que, igualmente timidamente, me pediu se lhe pagava a luz mostrando a factura. Ainda hoje lamento ter sido tão inesperado que nem o endereço lhe pedi para lhe poder enviar todos os meses esse pagamento.
Mas também já assisti, não no metro mas junto à CGD na Calçada do Combro, a guerra declarada de invasão de terreno, em que a mais nova tirou o chinelo do pé e vai de bater fortemente na concorrente que já ia bem nos setentas.
Há de tudo. E é difícil distinguir o que move quem pede. Mas perturba-me. Se a necessidade não é genuína, então é miséria de espírito e essa é, igualmente, digna de comiseração.

José Quintela Soares disse...

As caixas plásticas que chocalham, têm sempre 3 ou 4 moedas.
Mas no final de cada carruagem, retiram o “excedente” e colocam nos bolsos das calças.
Não posso nem quero acreditar que todos eles não peçam por necessidade. E creio que a ninguém de bom-senso é indiferente o simples acto de ver uma pessoa estender a mão a pedir.
O que questiono é a “profissionalização” mendicante acolhida pelo Metro, que não cuida sequer de tentar perceber se aquele cortejo constante incomoda os outros passageiros.

teresa maremar disse...

JQS
na verdade fugi ao tema, mas sem pretender avaliar sensibilidades e menos ainda tecer quanto a essas quaisquer juízos de valor. Se assim pareceu, peço desculpa.

José Quintela Soares disse...

Não, cara "divagarde", não peça desculpa.
Quem fugiu ao seu comentário fui eu. Melhor, não fugi, sugeriu-me acrescentar algo ao post.
Exactamente para que não avaliassem mal a minha "sensibilidade".

Grato.