6 de junho de 2010

Há dias assim




















Dias em que nada  corre bem, em que até o ar nos sufoca, ou em que a chuva teima em  nos molhar. Nos dias em que nem o cumprimento de quem nos conhece, e com connosco se  cruza, nos sabe bem.


Dias que, mesmo  detestando, se repete para dentro, até à exaustão, quase  masoquistamente, a frase popularizada: “Há manhãs, que um tipo à tarde,  não pode sair à noite”.


Há dias assim. E ai  daquele que, nesses dias azedados, se ponha no nosso caminho  lamuriento.


Num desses dias, em  ano que já passou há muito, procurei um pouco de reconforto entrando  numa pastelaria de Lisboa. Não me lembro em qual mas, nesses dias, todas  se tornam iguais.


Já era fim de tarde  e pensei: - Isto com um bolinho passa. Daqui a pouco já dei cabo do  azedume. Se um não chegar, como dois. Só a ideia de me poder ver  livre de um dia assim me deu novo ânimo.


E entrei na pastelaria directo ao assunto que não tinha tempo a  perder. Até estava com sorte, quase não haviam clientes. Verifiquei que a  funcionária da pastelaria estava mesmo a terminar de atender o pedido  de uma senhora. Assim, dava tempo de olhar os bolos e escolher  aquele que melhor se encaixava na terapia para o azedume do dia. Olhei e fixei-me  num lindo cone de chocolate, encimado por uma cereja cristalizada em  ligeiro suporte de creme pasteleiro. Era grande, e o chocolate derretido cobria completamente toda a superfície  do cone, desde a base até ao cimo, sem arestas, sem vincos, uma massa  única e uniforme. Uma beleza de bolo.


Nem mais, é este! É mesmo este conezinho doce, que está a olhar  para mim, que vai fazer o dia mudar antes da meia-noite.


Assim que ouvi aquelas maravilhosa palavras:


- E o senhor, o que vai ser? Respondi pronta e claramente:


- Se faz favor, aquele cone de chocolate! E com os olhos  indiquei o percurso até ao cone, para ter a certeza que era aquele e  mais nenhum.


As minhas palavras  não tinham surtido o efeito esperado. A pinça dos bolos ficou impávida e  serena no mesmo lugar. Será que o dia não vai mudar? Pensei, e quando levantei os olhos, obtive a resposta à imobilidade da  pinça: - Não temos cones de chocolate!


Eu não podia acreditar. Afinal até na pastelaria o dia ia  correr mal. Respirei fundo e com um movimento denunciado do dedo indicador  apontei o cone de chocolate que eu queria, não podiam restar dúvidas, e  disse:


- Este, este aqui!


Quando pensava que a dúvida estava esclarecida, eis senão:


- Ah! Este! Mas isto não é um cone, é uma pirâmide!


– Desculpe mas é um cone.  Disse-o sem ter a necessidade de recordar o mais  elementar da geometria.


- O senhor vai-me  desculpar mas isto é uma pirâmide! E nada da pinça dos bolos se mover.


O dia continuava assim, já não tinha réstia de ilusão, havia um  complô organizado para me tirarem do sério. Ah, mas isto não vai ficar  assim:


- Olhe, afinal já  não quero o cone de chocolate, dê-me antes um Cubo-de-Berlim. E perante o olhar de  pasmo da funcionária, saí.




Texto de Miguel Gil


5 comentários:

J A disse...

Hummm....pois eu escolhia logo o Cubo-de-Berlim !
E em dias de azedumes, existem pobres a milhares de quilómetros da geometria....
Ai, ai, ai....aquela com creme marchava num instantinho!

T disse...

Isto é vindo dum benfiquista exilado:)

J A disse...

Ora nem mais...! Podemos andar lixados em muitas coisas, agora de pastelaria....

PARAÍSO !!!!

Luísa disse...

Nem mais... que as bolas de Berlim (conhecidas por estas bandas como "Berliner") s$ao boas com a geleia. Mas quem me tira um doce que tenha por base os ovos... tira-me tudo... eu cá acho que hoje não era um cubo, mas uns três ou quatro... :(

J A disse...

Pois, pois....ovinhos é que é !!

Cá em cima também usam geleia em alguns "bolos"....claro que quem foi criado com "hááááááá o booooolo fresquinho", não toca nessas barbaridades...