9 de junho de 2010
Chegou o carteiro!
Há dias gostei de ter lido neste blog um post a remeter de certo modo para o carteiro , pois frequentemente me vem à memória uma profissão com alterações dignas de registo. Já não se espera o carteiro à janela ou portão com a ansiedade de outrora: o vale de correio da pensão da avó, as cartas de amizades de férias (mesmo que a residir a uns 20 Km), a correspondência dos tios a viver forçadamente noutras paragens, os discos e livros infantis enviados pelo padrinho americano, tudo era motivo de festa!
Havia ainda as empregadas internas, não por elitismo, mas por obrigações profissionais de pai e mãe assim o exigirem. Estas raparigas de carrapito e argolas vindas de vários pontos da província (recomendadas por vizinhos ou familiares) diziam-nos – aos mais jovens - serem «madrinhas de guerra» utilizando, para tal, um ancestral suporte de escrita para nós misterioso e a que chamavam aerograma cujo papel era amarelado, se não me falha a memória, e quase transparente (em pessoal visão infantil, associava a tal ideia de "madrinha" às fadas que povoavam o universo dos contos de Grimm, Andersen ou Perrault e hoje, com outra percepção das coisas, penso não me ter situado assim tão longe da realidade...). Em pleno século XXI, os carteiros da «minha rua» (se é que a uma estrada que não consigo avistar a uns 500 metros da porta se pode assim chamar) passam de motorizada, diz-se terem o 12º ano (não confirmei) e enganam-se amiúde na distribuição da correspondência (acabei de me lembrar que tenho a publicação do INATEL para deixar na caixa do correio mais próxima por um destes lapsos e nem conheço o destinatário, apesar de o mesmo ter dito a uma amiga comum ter sido meu colega de turma quando tínhamos para aí uns dez anos de idade… é que nunca o vi ). Vêm-me de imediato à memória os versos populares de um grupo vocal mais tarde interpretados por Sérgio Godinho: «chegou o carteiro, das nove para as dez» , bem como algumas linhas de um escritor que, em tempos idos, fazia o encanto das senhoras da casa embora, para ser justa, o carteiro da minha infância e juventude fosse um homem quase a entrar na terceira idade, de ar sorridente e bonacheirão, em bicicleta e saco de couro à tiracolo que nunca, ao longo de muitos anos, se enganou na distribuição de cartas e encomendas:
«A cada nome proferido, erguia-se quase sempre uma voz, às vezes um grito; estendia-se por cima das cabeças um braço, e, podemos acrescentar ainda que se não visse alvorotava-se um coração. (…)
- Luísa Escolástica, do lugar dos Cojos – lia o mestre Pertunhas.
- Sou eu, senhor, sou eu; ai, o meu rico homem! – exclamou uma mulher jovem, apoderando-se avidamente da carta.
- Joana Pedrosa, de Serzedo – continuava ele.
- Aqui estou; será do meu António, senhor? – disse uma velha, pobremente vestida.
- Será do seu António, será – respondeu o insensível funcionário; - o que lhe posso dizer é que traz obreia preta. (…)
- Se foi o filho que lhe morreu , não sei que há-de ser dela – disse um dos circunstantes.
- Coisas do mundo! – respondeu outro.
Estes comentários foram interrompidos pela continuação da leitura.»
Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais
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11 comentários:
Não espero o carteiro à janela. Mas abro a caixa do correio com sofreguidão. De manhã, quando saio de casa sei que o carteiro ainda não veio, mas espreito sempre para lá. Até ao Domingo (aqui há correio ao sábado)... Adoro receber (e enviar) cartas mas... só do banco... :s
No caso, segue o Falcão Expresso e já se queixou do peso:)
Eu continuo a esperar o carteiro com os postais que chegam nunca sei de que lugar no mundo, tudo graças ao postcrossing.com :)
Quanto ao carteiro que me traz os postais: é uma rapariga muito simpática, anda de bicleta, ao sol ou à chuva, e não costuma enganar-se nas entregas :)
Prattie,
Gostei muito deste post!
Nos tempos que correm, para a caixa do correio só me vêm parar as contas da água, do gás, da electricidade, etc. e tal... Chovem-me torrencialmente contas para pagar...
Dispensava bem tanta correspondência unilateral!!!
(Ainda me lembro dos carteiros com as tais malas de couro a tiracolo)
Hoje em dia, prefiro quantas vezes o gmail.
:)
Gostei dos vossos comentários:
O da Luísa por ter imaginado que o banco lhe "escreve" enviando boas notícias (espero que mais créditos do que débitos); do da T, pela generosidade de sempre (se não agradecer logo de seguida não estranhes, mas fico sensibilizada);
quanto à lalage, gostei de saber que ainda há carteiros (neste caso no feminino) competentes e desconhecia o postcrossing que me parece interessante. Quanto à amiga "cabbage" como gosto de te ver por aqui (também seria ridículo enviar-te correspondência para a nossa bela e histórica vila):)
teresa,
sabe que também escrevi aerogramas? :))) ainda este Natal, por acaso, em conversa de família se falou dos aerogramas. E eu disse que também os tinha recebido, de correspondência que trocava [coisas de uma qualquer revista que não lembro já qual]. Foi risada geral quando um dos meus primos diz que eu tinha de enganar os pobres soldados pois, tendo eu nascido em 60, e o 25 de Abril em 74, eu tinha então uns 12 para 13 anos.
Por acaso, ainda há um mês e pouco, em outro blog, que citava também os aerogramas, falei desta troca de correspondência. E, tal como a teresa diz, nesse blog referem os aerogramas amarelos. Pois eu tenho ideia de que eram azuis.
Terei de pedir aos meus pais que os procurem, pois por lá devem ainda andar algures.
:) gosto das suas pontes com o Sérgio Godinho e o Júlio Dinis.
*Obrigada pelo link para as Velhas Missivas [embora as palavras andem meio às avessas comigo e o meu canto esteja muito quietinho]
:)
Estas caixas de correio lembram-me as ambulâncias postais e trazem-me à memória os meus tempos de miúdo (sim também fui boletineiro com 9/10 anos ) - começava-se çedo - em que para se ganhar um tostão se ajuda o chefe da estação a entregar os telegramas, por falta de pessoal - não havia desemprego - e para também receber a bicicleta de empréstimo para entregar o dito.
O chefe era um verdadeiro gestor do alheio, pois em vez de pagar os 2 tostões da tarifa, dava soménte aos rapazes um tostão, pois o outro fica no seu bolso para a manutenção da bicicleta como dizia.
Histórias dos príncipios dos anos 60. A fome e o frio punham a lebre a caminho, e tudo o que se amealhava era pouco.
Carteiro implica carta.
E esta é uma palavra (e uma prática) em desuso. Exceptuando as de poker.
Quem escreve, hoje, uma carta? Um postal?
As “madrinhas de guerra”, se existissem agora, trocariam mails com os “afilhados”, enviariam “sms”, telefonariam.
Mesmo as cartas comerciais são escassas. Restam as dos bancos, e quase sempre extractos ou notas de débito. Frias. Ocas. Saídas de impressora. Insignificantes.
As carrinhas encarnadas dos Correios (lembram-se?) não ressuscitarão da sucata.
Os grandes sacos castanhos e vincados de tanta palavra transportada, deram lugar a “carrinhos de rodas”, para não fazer mal à “coluna”…
E nessa época, os carteiros tinham a 4ª classe, mas não batiam à porta de ninguém para entregar algo registado e “vomitavam” : “Você importa-se de assinar aqui?”…
Já agora,uma nota final: Os aerogramas eram amarelos.
Se há defeito que não tenho é teimosia. Nem me acho obstinada, direi antes determinada :) Mas o amarelo dos aerogramas continuou aqui a bailar-me. Lembrei, então, de um familiar e liguei-lhe, que confirmou serem amarelos. E acrescentou que essa era a cor porque, dado o papel ser fino, o amarelo os tornava mais fácil de serem lidos [sem os abrirem, claro] pelos serviços cartográficos que verificavam toda a correspondência [deviam ter uma maquineta qualquer que permitia essa leitura].
Não sei de onde me veio o tal azul, que eu tinha tão certo.
Interessantes comentários os vossos. Gostei de deixar aqui o link para o blog da divagarde, pois considerei o seu texto sobre missivas delicioso. Quanto aos aerogramas, afinal a memória não me atraiçoou.Sobre as carrinhas do correio, a cerca de 1Km da minha casa há uma que passa todos os dias da semana a certa hora, trata-se de uma estação ambulante na intenção de não deixar tão isolados aqueles que não têm meios para se deslocarem à estação mais próxima dos CTT e não utilizam novas tecnologias:)
A beleza de alguns selos também daria por aqui certamente matéria interessante para postagem.
O Azul pode ter vindo de outro tipo de correspondência como Telegramas, Cecagramas, outra outras mensagens que eram trocadas com as colónias.
Carlos Caria
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