
No café de aldeia, a mulher nova espera
que alguém chegue para tomar o café com ela. Não pediu
nada. Olha para fora, onde só as árvores se mexem
com o vento, e é como se não olhasse para sítio
nenhum. Na sua mesa de café de aldeia, sentada com o jornal
de província à frente, de rosto fechado para todos
os que estão no café - e para mim, ao balcão, olhando
para ela enquanto acabo o café - a mulher
nova espera que um deus chegue para tomar
café com ela. É verdade que uma beleza estranha envolve
o seu corpo; que as mãos têm as linhas puras de quem
não precisa de as gastar em trabalhos e estações; e que
o seu rosto traz a luz obscura de quem sabe que tem todos
os desafios do amor para vencer. Hesito em pedir-lhe o
jornal, pousar a minha chávena de café na mesa ao lado,
perguntar-lhe como se chama; e contar-lhe algumas histórias
desta aldeia, para que ela se vá embora, esquecendo
esse deus que viria tomar café com ela. Mas
a mulher nova continua a olhar para a rua, onde começou a
chover. E quando chove, num largo deserto de aldeia,
o ruído doce das gotas nos vidros até faz esquecer o bater
das bolas, no bilhar ao lado, e a melancolia que escorre
dos olhos da mulher nova que insiste em não abrir o jornal
de província, em esquecer-se do encontro que está para
não acontecer, e em olhar para mim, que acabei de pagar
o café e saio, para apanhar a chuva que começa
a cair com mais força no largo da aldeia.
Nuno Júdice de "Teoria Geral do Sentimento" em "Poesia Reunida", Publicações D. Quixote, 2000
Legenda: Pintura de Edward Hopper
6 comentários:
Uma maravilha de Hooper...e um rico texto para acompanhar....
Hooper é de facto uma maravilha, podemos criar 1001 enredos olhando para qualquer um dos seus quadros.
Hopper, se faz favor.
Pois é!...
Por sentir o prazo de validade a chegar, pediu a reforma. A Senhora Coordenadora não lha concedeu. As falangetas escorregam nos "oo", cortam-se nos "pp".
A rectificação está feita e foi ele que a fez, ao fim de não sei quantas vezes, a Senhora Coordenadora lhe ter dito como se fazia e ele andar às voltas sem atinar com o fio à meada.
Mas já está. Não fosse a circunstância do Senhor engenheiro lhe ter entrado pela mísera reforma dentro, e hoje soava uma garrafita de "Murganheira". Vai contentar-se com uma "Frize".
Se lhe derem tempo, ainda há-de chegar aos meandros do "Picaça"
As voltas que ele deu para tentar disfarçar um erro do tamanho do mundo...
Obrigado, ABS, pela correcção e um
abraço.
Processo de reforma indeferido:)
E parabéns:) Já sabes editar textos:)
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