13 de janeiro de 2010

EFEMÉRIDE

Image and video hosting by TinyPic
E lá teremos que voltar ao velho Marx: “para o burguês, a sua mulher não é outra coisa que um instrumento de produção.”
A pediatra Françoise Lazard que, certamente, o leu, dizia em 1970: “Sem arrancar a mulher à escravatura do doméstica, não pode falar-se da liberdade ou de democracia; apesar de todas as leis libertadoras, a economia doméstica, amarrando a mulher à cozinha ou aos filhos, oprime-a, asfixia-a estupidifica-a; obriga-a a despender forças em trabalhos terrivelmente improdutivos, mesquinhos, enervantes, embrutecedores, deprimentes.”
Salazar em discurso datado de 1936: “O trabalho das mulheres fora de casa não deve ser incentivado. Uma boa dona de casa tem sempre muito que fazer.”
“Os recentes movimentos de emancipação feminina, colocando de lado alguns exageros, vieram formular inequivocamente a denúncia de uma situação injusta – a da mulher, reduzida à condição de objecto, quer ao nível familiar quer à escala social, lia-se num livrinho, publicado em Janeiro de 1971 pelas Publicações Don Quixote, intitulado “Mulheres Contra Homens?”, com depoimentos, entre outros de Maria Lamas, Valerie Solanas, Betty Friedman, Kate Millet.
Há 35 anos, organizada pelo “Movimento de Libertação da Mulher”, realizava-se, em Lisboa, no Parque Eduardo VII, a primeira manifestação feminista em Portugal e que,
“apesar de alguns exageros”, é uma data importante na tentativa de construção de um país diferente, um tempo em que a esperança, ainda, se fazia sentir na cidade.
Não esquecerá nunca, que homens e mulheres, tiveram um papel na luta contra a ditadura. Claro que havia aquele pormenor em que, trabalhando na mesma fábrica, manobrando a mesma máquina a mulher não tinha a mesma paga.
Mas desde já larga o discurso barato. Apenas quis arranjar pretexto para trazer até aqui o capítulo 7 de “Revolução e Mulheres” de Maria Velho da Costa, que faz parte do seu livro “Cravo”, Moraes Editores, Abril 1976:

“Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao Sindicato e à Junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de arma com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram um braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para onde, mas iam.
Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas”.

2 comentários:

teresa disse...

E porque comentários também são feitos de vivências, o post trouxe-me à lembrança o seguinte episódio: há dezenas de anos, em direcção à Escola Nuno Gonçalves onde ida saber se tinha obtido contrato como professora, o motorista do táxi onde viajava, ao ouir na rádio o nome de Maria de Lurdes Pintasilgo, então primeira-ministra, para além de lançar impropérios mais do que 'fulanizados' à senhora (ainda me dei ao trabalho de deixar escapar um 'olhe que não'), concluiu com a seguinte pérola:
« uma mulher nunca devia ser primeiro-ministro, nem que fosse a Nossa Senhora de Fátima»...

No local de trabalho nunca senti discriminação (penso que devido ao arejamento mental dos meus colegas), pondendo assegurar que muitos dos bons conselhos profissionais (perspicazes) têm partido de pares do sexo masculino. E isso é que acaba por ser o importante, a título pessoal.

Apesar disso, tenho conhecimento de mulheres a desempenharem cargos normalmente ocupados por homens (pergunta-se se a questão das quotas faz sentido sem até agora ter obtido resposta para mim própria)que têm desabafado terem de trabalhar muitíssimo mais do que eles para provarem estar à altura, e isso não deixa de causar apreensão e alívio por não me encontrar empurrada para uma competitividade que não subscrevo.

Joao Augusto Aldeia disse...

Li há tempos uma hipótese que me cativou: a de que a denominada libertação da mulher não foi conseguida, nem pela luta das feministas, nem pela bondade masculina, mas sim pela guerra. Com os homens nos teatros de guerra, milhões de mulheres foram "autorizadas" (ou forçadas? nunca percebi como se passou isto) a desempenhar profissões reservadas a homens, tais como as de operárias das fábricas de armamento (incluindo a construção de aviões, tanques, barcos, etc). Nos EUA, por exemplo, formaram-se esquadrões femininos de pilotos para as operações de transporte interno de aviões militares. No entanto, acabada a guerra, fez-se o silêncio sobre essa epopeia. Mas algo imortante ficou: já não era possível dizer que aquele tipo de trabalhos só podia ser executado por homens.