15 de novembro de 2009
E HOJE É DOMINGO
“No País dos Sacanas”
Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.
Jorge de Sena em “40 Anos de Servidão”
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Jorge de Sena,
Um dos maiores portugueses do Século XX, foi homem sem medo, irreverente, frontal, incómodo e de acutilante ironia demolidora!
Diz quem sabe, que foi maltratado por vários quadrantes políticos – de responsabilidade democrática – por ser um espírito livre!
Depois do 25 de Abril de 1974, Sena regressou à Pátria já em liberdade, mas ficou apenas dois meses! «O País na verdade nunca o reconheceu. E se no tempo da ditadura podíamos achar isso natural, já não o achávamos depois do 25 de Abril.
Ele gostava de ter regressado», lamenta Mécia de Sena.
O poema que Gin-tonic hoje nos ofereceu - escrito em 1973 -, continuou actual no 25 de Abril! e..., mantém-se o ‘sacaneamento’!... agora que o trasladaram para Portugal com destino à «Colecção dos cadáveres Culturais»!...
Já dá « jeito »!... à n/Gloriosa História!(...)
Finalmente connosco..., “regressou” com pompa e circunstância!...
Mantendo-se espantosamente vivo,... o seu Poema:
«No País dos Sacanas»!
Cumprimentos,
César Ramos
Um dos mais extraordinários intelectuais portugueses. Teve que se exilar - uma vida de cão - e o "regresso" à Pátria, se alguma "pompa e circunstância" teve, resultou de Saramago se meter ao barulho.
Vamos a ver se
é agora que lhe publicam a obra completa, essa sim a grande homenagem.
A leitura de alguns diários de escritores seus contemporâneos, os seus próprios diários, a correspondência com José Augusto França e Sophia mostram um Jorge de Sena de uma verticalidade e honestidade intelectual tão pouco existente entre os seus psres. Também um homem amargo.
Numa carta a José Augusto França: "eu sempre detestei o convivio de chacha to relax from work. O meu trabalho não é trabalho, é vida - não preciso to relax dele, a não ser falando das tantas coisas qie me interessam."
José Gomes Ferreira, num dos seus "Dias Comuns" refere a indignação de Sena com um crítico, manda-lhe o recorte, que fora injsto para com Irene Lisboa. E comenta: "Só me espanta o seguinte: como é que o Jorge de Sena, no meio dos seus versos, das suas lições, dos seus estudos literários, dos seus contos, dos seus romances, das suas leituras, da sua correspondêcia, etc.,etc.,etc., - ainda arranja tempo para esta vigilância infatigável das pequeninas injustiças? (As injustiças, para as sentirmos nos outros, temos de senti-las primeiro em nós, no sangue do nosso espirito insultado!)Sim. Admiro sinceramente Jorge de Sena - até porque impõe como virtudes o que nos outros soaria a defeitos. E de súbito compreendo o motivo dessa autoridade. E de súbito compreendo o motivo dessa autoridadea: o afinco ao trabalho. Joprge de Sena precisa desse trabalho constante como eu preciso de preguiça. (Preguiça para coisa nenhuma)."
É uma pena que este "país de sacanas" teime em não conhecer a sua obra e o seu exemplo.
Obrigado pela possibilidade desta "pequena" viagem por Jorge de Sena.
Um abraço.
Enviar um comentário