9 de novembro de 2009

As palavras

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(foto: editorial100.pt)

Cuido não andar longe da verdade se afirmar que a minha Aventura Poética começou aí por volta de 1908, tinha eu os meus oito anos, no dia em que reparei (ou procedi como se reparasse) na existência das palavras(…). No fim de contas as palavras não serviam apenas para meter na ordem gaiatos descompostos, insultar as vizinhas linguareiras da cave ou adormecer com canções o ranho dos miúdos. Dispostas de certa maneira adquiriam outro significado, exprimiam sentimentos e valores que os homens só daquela forma se atreviam a desabafar em voz alta com cerimonial de ritmos pautados.
Tratava-se sem dúvida de um jogo (o que há de mais sério para uma criança), mas um jogo que, por manifesta singularidade, também agradava às pessoas crescidas. Pelo menos os livros escolares não regateavam elogios clamorosos a esses seres mágicos, que acendiam palavras e as obrigavam, por assim dizer, a buscar-se umas às outras no papel, carregadas de electricidade de sexos contrários. Não se chamava a Portugal a Pátria de Camões? E a Itália a Pátria de Dante?
Brincar com as palavras, rimar – eis o princípio da Grande Aventura. Amor com flor. Querida com vida. Saudade com há-de. Anjinho com caminho e ninho.
Frio (pronunciado à lisboeta) com caiu

José Gomes Ferreira, A Memória das Palavras

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