13 de outubro de 2009

Reflexões a partir do antigo livro da 2ª classe

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Na passada semana, postei aqui imagens e um excerto do livro da 2ª classe utilizado durante o Estado Novo ao longo de décadas. Na altura, houve mais de um comentário no sentido de não ter ficado o texto na memória, ao contrário do sucedido com os versos de Afonso Lopes Vieira. Lembrei-me de imediato dos estágios (ou estádios de Piaget). Por vezes - quase sempre, referem os entendidos - cria-se uma entidade imaginária de aluno, falando-se para todos como de um único se tratasse. Acontece que alguns jovens, mesmo já a entrar na adolescência, ainda não atingiram o grau de abstracção desejável, evidenciando um vocabulário limitado e encarando mensagens no estrito sentido literal. O texto da imagem - pouco legível - é disso exemplo que deveria ser pensado para lá do aspecto anedótico da questão. Passo a transcrever um exemplo do que é 'levar tudo à letra' e escrever como nas SMS (felizmente esta moda não chegou ainda ao local que conheço). Nesta questão de teste cuja origem desconheço era solicitada uma definição sobre o papel da escola:

O papel da escola eu axo que é igual a um papel qualquer de imprensa de A4. E de certeza que é tem a mesma grossura e tudo. Agora se estão a falar, por exemplo, das folhas de teste que é uma folha A4 dubrada ao meio fazendo 2 folhas A4, axo melhor que as folhas de teste sejam assim do que só uma folha A4, mas as fichas que os professores dão são sempre folhas de formato A4 ou de formato A5.[...]
Por isso eu axo que as folhas destas escolas são iguais às das outras escolas ou de outras empresas.


(transcrito com supressões)

10 comentários:

T disse...

Não creio que essa falta de memória tenha a ver com a questão da capacidade de abstracção. Os textos não eram todos explorados, se bem me recordo. E esse nomeadamente, muito centrado no Estado Novo, certamente não seria prioritário no fim dos anos 60.

Zé Manel disse...

No meu tempo de instrução primária, alguém que escrevesse um texto com este erros (e não falo da linguagem SMS), nunca passaria da 2ª classe!!!

teresa disse...

T,
Garanto que no caso pessoal os li 'todinhos' na escola... a professora, mesmo nos anos 60, era a personificação do Estado Novo (eu diria mesmo que um 'baluarte' do dito cujo)...

E Zé Manel, no meu tempo ninguém passaria dando erros, mas no tempo actual a realidade é diversa, só um pequeno exemplo: alunos que não falam a língua do país sem verem contempladas as medidas mínimas de integração. Uma antiga estagiária que trabalhou comigo, foi posteriormente requisitada pelo ministério, tendo de analisar um projecto no qual era solicitada uma psicóloga/animadora cultural que falasse um determinado idioma. O objectivo era só manter os alunos dentro do perímetro da escola para não provocarem desacatos no exterior (e refiro-me a uma zona dos subúrbios de Lisboa conhecida pelos problemas sociais, é claro que será um caso extremo, mas acontece que a referida técnica foi mesmo para o local com tal finalidade...).

T disse...

Eu fiz a segunda classe com uma professora muito arejada e inteligente. Em 67/68 salvo erro.

teresa disse...

... e além disso já se vivia na chamada 'Primavera marcelista'... eu soube que o presidente do conselho tinha caído da cadeira de praia, encontrava-me em Paris em casa dos meus tios. Nem imaginas a reacção do meu tio então no exílio... pouco expansivo, ficou colado ao noticiário televisivo. Por isso é que, apesar de muito nova, ainda me lembro do acontecimento:)

Marco disse...

Também perguntar a uma criança da 2ª classe ( com 7 anos) qual o papel da escola na formação de um cidadão não admira que a composição seguisse o rumo que seguiu. lol

teresa disse...

Penso que aqui a criança seria mais crescida, mas muitos, mesmo mais velhos, levam tudo à letra.

Anónimo disse...

Julgo que hoje se começa demasiado cedo a bombardear as crianças com abstracções e um certo jargão sociológico e político que, por falta de maturidade, não conseguem assimiliar. Mal sabem ainda conjugar os tempos verbais ou dominar outras ferramentas de base gramaticais e já se lhes exige que dissertem sobre cidadania, solidariedade e equidade, administração, problemas conjunturais e estruturais da sociedade, etc.. Começa-se pelo fim, de certo modo. Quantos concluirão os seus estudos a saber analisar e sintetizar seja o que for? Quantos concluirão os seus estudos sem erros básicos de ortografia e de raciocínio? Pobres miúdos, têm tudo e tão pouco. E pobres de nós que talvez um dia venhamos a depender da sua "solidariedade".
Cumprimentos,
Carla Jané

teresa disse...

É verdade, Carla Jané.

Recordo a disciplina de Estudos Sociais, actualmente leccionada no 1º ciclo e a referência às atribuições dos órgãos autárquicos, do parlamento e a menção à Constituição da República, isto porque tenho ainda bem presente (e felizmente cá em casa a miudagem sempre estudou com toda a autonomia) a dor de cabeça que foi quando as minhas filhas tiveram de memorizar esta matéria sem maturidade para a compreenderem.

Transpondo situações como a referida para crianças e jovens com famílias pouco ligadas à pedagogia e quase sem acesso à escola (ainda bem que houve a massificação do ensino, embora os conteúdos devessem ser adequados aos níveis etários) não podemos deixar de ficar apreensivos.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Ai, assimilar! E eu a falar de erros ortográficos...
Abraço,
Carla Jané