11 de junho de 2009
NOTÍCIA DOS DIAS QUE VOARAM
Há 35 anos, o 10 de Junho já não foi o Dia da Raça.
Há 35 anos, o 10 de Junho foi Dia do Povo.
Dia da Raça, uma designação que ainda hoje provoca bafientos saudosismos em alguma gente. No passado ano, o Presidente Cavaco Silva invocou esse tal dia da Raça. Explicaram depois que fora um mero e simples “lapsus linguae”…
Naquele primeiro 10 de Junho em liberdade, uma enorme festa transformou o Mercado da Primavera, em Lisboa, num grito de solidariedade para com o Movimento das Forças Armadas,
Houve música e canções, houve diversos espectáculos, houve vinho, houve cerveja, houve abraços, houve beijos, houve FESTA.
“Artistas plásticos (Tengarrinha Dias Coelho, Sá Nigueira, João Abel Manta, Palolo, Ângelo de Sousa, Nuno San-Payo, Lima de Carvalho, João Vieira, Jorge Martins, Querubim Lapa, Júlio Pomar, Alice Jorge, Fernando Azevedo, Vespeira, Rogério Ribeiro, José Escada, Vítor Palla, António Dpmingues, Menez, Nikias Skapinakis, Jorge Vieira, Carlos Calvet, entre outros) estavam no Mercado da Primavera num gesto de solidariedade para com as Forças Armadas, como quem diz: vocês merecem a arte, vocês que esmagaram o fascismo. Assim dizendo, iam pintando o painel com as cores da sua liberdade” , Mário Castrim, “Canal da Crítica, “Diário de Lisboa”, 11 de Junho de 1974
O grupo a “Comuna” idealizou uma cegada, bem ao estilo do Teatro de Gil Vicente, em que surgiam figuras do antigo regime: Silva Pais, director da PIDE, Marcelo Caetano, Tomaz, a mulher Gertrudes e as filhas, o Cardeal Cerejeira, tudo a lembrar tempos, ainda recentes, mas ali retratados para que nunca mais fossem esquecidos.
A Rádio Televisão Portuguesa estava a transmitir em directo o espectáculo.
Quando o actor que representava o Cardeal Cerejeira ia a meio da sua fala, a emissão sofreu um corte.
Passados alguns minutos a locutora Alice Cruz lê o seguinte comunicado:
“O programa que transmitíamos em directo do Mercado da Primavera foi interrompido por ordens superiores, estranhas aos trabalhadores da televisão que manifestam o seu repúdio por tal medida, pelo que oportunamente tomarão a atitude conveniente.
As ordens de interrupção foram dadas pelo representante da Junta de Salvação Nacional, na Rádio Televisão Portuguesa, e confirmadas pelo senhor ministro da Comunicação Social.
Não mais houve ligação ao Mercado da Primavera e, de imediato, se passou à exibição de um filme americano.
O ministro da Comunicação Social, de então, era o jornalista Raul Rego que, face ao sucedido, comentou:
“Temos que ter em consideração os sentimentos de parte da população portuguesa.”
No dia 13 de Junho de 1974, assinada por A.S. poderia ler-se a seguinte nota no jornal “República”:
“Agressão psicológica; eis uma das acusações feitas à transmissão da TV, no passado dia 10. Há quem diga que a farsa apresentada, ofendia os católicos nas suas sagradas crenças. Há quem acrescente: a nossa liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros.
As pessoas devem ter-se esquecido do seguinte:
a) que os receptores têm um botão para desligar quando o programa não interessa.
b) que nenhum programa determina unanimidade de opiniões acerca do seu interesse e qualidade.
c) que a transmissão da missa de domingo pode ser considerada uma “agressão psicológica” aos telespectadores que professam outros cultos.”
São estas as 130 palavras que, na cegada da “Comuna” estavam a ser ditas pelo patriarca Cerejeira”:
“Senhor Presidente da República. Senhor presidente do conselho. Filhas, artistas e filhos meus muito queridos em vosso Senhor Jesus Cristo. Pedem a o patriarca Cerejeira que diga algumas palavras nesta festa de artistas. Que palavras pode dizer o patriarca de Lisboa senão fazer cantar como um apóstolo anima mea gaudiae pinctome, canatatis, representatis, pictos, pictos, picta.
Que palavras pode dizer o cardeal de Lisboa senão o fazer exultar de alegria a arte. O grito do Natal ressoa em nós quando a arte se transforma em parte e se parte para a Arte que é o particípio do Espírito Santo.
Esta é a festa dos artistas em que pelo que fazeis dais glória aos nossos governantes que mais não fazem que executar a vontade de Deus e a vontade do povo, salvo seja…”
Apenas isto, nada mais.
Gente diversa ficou revoltada e manifestaram o seu protesto junto da RTP, o que levou ao corte da transmissão da cegada pela “Comuna”.
Há 35 anos!
Mas onde estava toda essa gente, então ofendida, enquanto a juventude portuguesa morria e sofria, em África”, numa guerra estúpida e inútil?
Mas onde estava toda essa gente, então ofendida, quando a PIDE prendia, torturava, assassinava cidadãos portugueses que apenas queriam viver em liberdade?
Alguma dessa gente, então ofendida, passados que são 35 anos, ainda pulula por aí!...
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1 comentário:
eu fiz parte dos que cantaram nessa maratona enquanto o painel gigante era pintado...
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