15 de maio de 2009

COISAS DO SÓTÃO

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Folheando o Álvaro de Campos, parou num poema seu com o título “Dobrada à Moda do Porto”. Como de outras vezes isso trouxe à memória o modo como a avó materna cosia a dobrada. Já havia gás canalizado mas não havia panelas de pressão. A dobrada ficava a coser durante a noite numa panela, num fogareiro a petróleo, lume baixinho Tudo rigorosamente calculado, tanto a água da cosedura como a quantidade de petróleo. Acabado o petróleo a dobrada estava cosida. Nem dura nem mole, aquilo que se chama no ponto. Para os fogareiros a petróleo havia as cabeças silenciosas e as outras.
Hoje cose a dobrada em panela de pressão. Mesmo dando-lhe pouco tempo, aquilo fica em estado de verdadeira lástima, parece esponja, ou serradura.
Não consegue fazer dobrada como a avó, que lhe adicionava, para além dos enchidos, um bocadinho de unha de porco Aliás não consegue fazer nada como a avó fazia. Se bem que haja um pormenor que não é de desprezar: a qualidade dos produtos de então.
O fogareiro a petróleo que encima o texto não está no sótão. No sótão apenas tem um candeeiro a petróleo, também da avó materna, que um dia trará aqui. O fogareiro apanhou-o no Google, capítulo “Casa Hipólito” que era uma importante fábrica da região de Torres Vedras. Ainda se lembra de na automotora da linha do Oeste ver no campo do Torreense um enorme anúncio à Casa Hipólito. Os eléctricos circulavam em Lisboa com anúncios da Casa Hipólito.
A Casa Hipólito chegou a empregar 1.200 trabalhadores. A modernização dos tempos, uma má gestão, levou a fábrica à falência em 1990. Segundo informe do “Jornal de Notícias” de 4 de Setembro de 2004 ficava a saber-se que foi com o acordo unânime da Comissão de Credores que o liquidatário judicial efectuou a venda dos imóveis da Casa Hipólito.. O espólio atingiu 4,6 milhões de euros e os ordenados em atraso aos trabalhadores estavam estimados em cerca de 4 milhões de euros.

“Dobrada à moda do Porto”

“Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.”


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4 comentários:

Malina disse...

Hum....dobrada talvez não, ms se o almoço d hoje fosse uma saborosa feijoada à transmontana, isso é que era!
As memórias são uma coisa fantástica. E este blogue trata delas com muita delicadeza. As imagens são sempre cativantes e o tempo, nelas, deixa de ter peso. Parabéns.

teresa disse...

Bom dia, gin.
Como gostei de reavivar memórias com este post! A região de Torres Vedras faz parte das referências de juventude, bem como a casa Hipólito.
Estes fogareiros ainda os vi a serem utilizados numa Angola a tentar sair de uma guerra e a viver uma outra. Nas escadas dos prédios de 10 e mais andares os moradores, fugidos do mato, utilizavam-nos com frequência.
(quanto à dobrada será mais um "dos poucos tabus" alimentares)

Anónimo disse...

em minha casa havia 2 destas 'máquinas'.
existiam as de cabeça 'silenciosa' e as de cabeça 'barulhenta'.
as da minha mãe eram das silenciosas; as da vizinha do lado eram 'barulhentas'
o petróleo vinha da drogaria ao lado da mercearia (um merceiro muito 'generoso' para os soldados do raaf)
a minha especialidade era desentupir os bicos com uma espécie de tira de folha de flandrs com um fino arame na ponta que servia para desobstruir a saída do petróleo.
a acto de avivar a chama dando a uma espécie de bomba de êmbulo também era tentador...
a limpeza com 'solarina' (solarine de seu nome verdadeiro e seguramente a merecer uma foto da presidenta) é que já era menos convidativa, mas também fazia parte das minhas obrigações

Unknown disse...

Eu tenho um Fogareiro Popular Hipolito
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