A CIDADE É A EXPERIÊNCIA QUE DELA TEMOS

Cais do Sodré.
O relógio que ele conheceu não era este. Era mais bonito, mais relógio. No topo tinha escrito “Hora Legal”
Conta Dinis Machado, em “Reduto Final” que era a ali, junto ao relógio que a malta miúda, vinda de diversas ruas do Bairro Alto se encontrava para, todos juntos, seguirem para a praia. ir para a praia
“A propósito: quem é que tem a bola? Estive a ver as marés, temos terreno duro no domingo, na praia, da parte da manhã. Podemos estar a dar uns toques umas seis horas seguidas, mas é preciso apanhar o barco aí pelas oito horas. E com isto fecho a secção de informações. Quem é que tem a bola? Quem é que a levou para casa no domingo”
Tinham nomes os barcos: “Zagaia”, “Flecha”, “Norte Expresso”. Travessia Cais do Sodré-Trafaria-Cova do Vapor. Aqui uma ponte de madeira desde o desembarque até à praia.
Mas os barcos no Cais do Sodré funcionavam apenas no Verão. Durante todo o ano, eram os barcos da empresa Damásio Vasques & Santos, Lda que faziam a travessia Belém-Trafaria. Também tinham nomes esses barcos: o “Alcântara”, o “Trafaria Praia”, o “Sempre Fixe”, outros que agora já não lembra. Em Belém também havia os ferry-boats para o Porto Brandão.
Este relógio é um modelo recente, outra tecnologia.
O primeiro relógio estava lá desde 1914 mas teve que ser substituído. A sua reparação não só era complicada, falta de peças, sabe-se lá mais o quê, como dispendiosa. Esse relógio passou a estar exposto na Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos, em Alcântara, junto aos quadros de Almada Negreiros.
Era esse o relógio que ele olhava desde miúdo. Caprichos da sorte levaram a que continuasse a olhá-lo, porque a sua vida profissional decorreu numa agência de navegação no Cais do Sodré.
O que ele gostava daquele relógio.
Este, que agora lá está, é menos bonito, menos relógio.
“A propósito quem é que tem a bola?”