25 de abril de 2009
Trinta e cinco anos mais tarde: uma vivência
fotografia de José Cláudio Guimarães
Madruguei antes do despertador tocar. Frequentava um liceu a cerca de 15 Km e precisava de apanhar o comboio bem cedo. O meu irmão J. , a estudar então em Lisboa , também foi acordado pela voz do meu pai que subia as escadas, dizendo:
“ hoje ficamos todos por cá : começou uma revolução.”
Levantei-me de um salto, lembrando as conversas de véspera, entre colegas, contra uma guerra absurda que ninguém entendia . Mal sabia eu que, seis anos mais tarde, iria chegar a essas paragens ainda tão marcadas pelo conflito armado, na altura conduzido por movimentos internos que disputavam o poder.
O dia foi passado em família com algumas compras de circunstância. Ao entrar numa drogaria, dizia o comerciante: “as vassouras vão desaparecer da loja, pois vai haver grande limpeza!”.
Perdi a noção do tempo, colada à TV, a ouvir os repetidos comunicados da Junta de Salvação Nacional. O nome de Spínola constituiu surpresa por não ser muito bem visto na família por um parente que ocupava um cargo administrativo em Bissau.
No liceu, poucos dias mais tarde, o espanto foi total - o finalizar súbito da disciplina de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) tendo, em substituição, sido criada a I.P (Introdução à Política). Até o professor mudou: deixámos de ter uma senhora de discurso estereotipado, guiada por um livro obsoleto, recheado de fórmulas pré-fabricadas, tendo chegado o jovem professor advogado, ex-preso político, que nos deixava mudos de espanto com os relatos das experiências de Caxias vividas com os companheiros de caminhada.
O pensamento eufórico voou até aos mais queridos, de ausência forçada em terras de França há mais de 7 anos. Tinham partido, quase clandestinos,numa noite em que passaram por nossa casa para uma súbita e emocionada despedida. Durante dias, a avó ficou estática à janela, mesmo durante a noite, remetida a um silêncio doloroso que nos afectava.
Penso que não aprendemos – talvez ainda hoje o não tenhamos conseguido – a viver em democracia. Foi um absurdo os tempos próximos a 74: rótulos, desconfianças, profusão de manifestações, muitas delas inexplicáveis…
Um ano mais tarde, em serviço cívico, senti a utilidade das campanhas de alfabetização para as quais me formaram, bem como o apoio dado a adultos para concluírem o ensino primário. Foi marcante tê-los acompanhado aos exames que concluíram com êxito, quando já não acreditavam num regresso à escola.
Já na faculdade, não pude deixar de considerar absurdo quando verifiquei que, para muitos, mesmo naquele meio, o mundo se dividia em “progressistas” e “reaccionários”. Sempre me foi pessoalmente incómoda esta visão cinematográfica de um mundo bipartido, composto por “heróis” e “vilões”, situação ainda hoje visível em tantas circunstâncias do quotidiano… é que 35 anos de História equivalem a menos de um dia e a democracia, para além de ser uma árdua aprendizagem parece, por vezes, resvalar perigosamente para a categoria de mito.
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5 comentários:
Excelente post, Teresa, mais logo conversaremos.
Adorei!
Vamos perdendo a inocência. E eu não ando nada optimista.
«Um pessimista é um optimista com experiência», diz-se.
O tempo gasta tudo.
Mas crê que é preciso ter vivido os anos terriveis antes de Abril, "o tempo do desprezo", como diria Mário Dionísio, para se perceber do que estamos a falar.
E somos cada vez menos...
Um abraço
Gin,
somos cada vez menos, não só por motivos geracionais, mas também porque não há a vontade em perpetuar memórias, coisa que, felizmente, por aqui vamos fazendo. E não considero tal atitude (penso que não sou a única) como saudosismo, mas sim como a melhor forma de perpetuarmos a nossa identidade e não aumentarmos a multidão de amnésicos, no tal país povoado de betão e de auto-estradas, com todo o património - de ideias e outros marcos históricos- a desaparecer.
Abraço
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