21 de março de 2009

A sátira e a subjectividade do sentido de humor

O post do ruinzolas e a polémica que suscitou, trouxeram-me posteriores reflexões. A atracção exercida pela sátira na Idade Média e expressa através das Cantigas de Escárnio (criticando com maior subtileza e de modo encoberto) e as de Mal-Dizer (pondo a descoberto o dedo nas chagas sociais) levaram-me à revisitação de um pequeno, mas nem por isso menos precioso (opinião pessoal) "manual de instruções". E assim voltei a espreitar algumas considerações que me pareceram interessantes. Como tal, irei partilhá-las sem tentar ser exaustiva. Não deixei de colocar (aos meus botões) perguntas como: o que é o sentido de humor? Existirá um sentido de humor "tribal"? (destinado a pessoas da mesma idade, background, cultura, latitude, etc?). Muitas questões interessantes, em meu entender, se poderiam aqui colocar. Como não sou versada no assunto, embora goste de rir com as "minhas tribos", o que acontece com alguma frequência, prefiro transcrever a opinião de alguém que se dedicou de modo organizado a estudar a matéria:



É um género amplo e fugidio, a sátira. Nem sempre faz rir (ridendo castigat mores…) e até provoca, em certos casos, um arrepio de repugnância […] um grito de horror, à maneira de Swift, quando este propunha, num sarcasmo sanguinolento, que os irlandeses pobres engordassem as criancinhas e depois as comessem. Às vezes, a sátira assume forma dramática, como nas farsas de Gil Vicente. Noutros casos, não passa duma frase espirituosa, à francesa, ou duma piada, à lisboeta. […] D. Quixote de La Mancha e a sua ironia enquadram-se nos moldes do romance de cavalaria. É «o mais triste de todos os livros», como afirma Dostoievski. Faz sorrir uns e sofrer outros. E porque não recordar o humor negro e a sátira social da Dança Macabra, desde as gravurinhas dos Livros de Horas até às Barcas de Gil Vicente?
Temos ainda os epitáfios, a encerrar uma sátira breve da vida breve: «Aqui jaz Pêro Grou/ Que como os outros acabou.» Há sátiras que chegam a passar despercebidas, como as Viagens de Gulliver, de Swift. Outras, claríssimas, como uma pedrada num charco ou uma gargalhada sonora. Algumas trazem punhos de renda. Outras são grosseiras. Mas tudo é riso, sorriso e invectiva.
[…] Tudo varia com os homens, os países e as épocas. Por exemplo, muita gente de hoje não acha graça ao Zé-Povinho, de Bordalo Pinheiro, tão ultrapassado como os magalas que antigamente chegavam ao quartel, com a sua boçalidade e o seu saco de chita.

5 comentários:

T disse...

Discordo em relação ao Bordalo. É fantástico.

Unknown disse...

Eu também gosto muito de rir com as "tribos", independentemente de ser ironia mais fina, sátira ou puro disparate... :):)

teresa disse...

T,
é curioso como eu já suspeitava que fosses admiradora da Bordalo:) (também aprecio, mas diria que moderadamente e não todo o legado)
rosarinho,
para cada pessoa com quem convivemos, há sempre episódios (posso dizer que alguns de partir para a parvoeira pura). Relembro o de se ter gasto desnecessariamente dinheiro em portagens por causa da inspiração do teu filho L a contar as memórias do jardim-escola.:)

ruinzolas disse...

ora aí está um bom post

teresa disse...

Também gostei de ter "revisitado" este livro de Mário Martins:)