
É um género amplo e fugidio, a sátira. Nem sempre faz rir (ridendo castigat mores…) e até provoca, em certos casos, um arrepio de repugnância […] um grito de horror, à maneira de Swift, quando este propunha, num sarcasmo sanguinolento, que os irlandeses pobres engordassem as criancinhas e depois as comessem. Às vezes, a sátira assume forma dramática, como nas farsas de Gil Vicente. Noutros casos, não passa duma frase espirituosa, à francesa, ou duma piada, à lisboeta. […] D. Quixote de La Mancha e a sua ironia enquadram-se nos moldes do romance de cavalaria. É «o mais triste de todos os livros», como afirma Dostoievski. Faz sorrir uns e sofrer outros. E porque não recordar o humor negro e a sátira social da Dança Macabra, desde as gravurinhas dos Livros de Horas até às Barcas de Gil Vicente?
Temos ainda os epitáfios, a encerrar uma sátira breve da vida breve: «Aqui jaz Pêro Grou/ Que como os outros acabou.» Há sátiras que chegam a passar despercebidas, como as Viagens de Gulliver, de Swift. Outras, claríssimas, como uma pedrada num charco ou uma gargalhada sonora. Algumas trazem punhos de renda. Outras são grosseiras. Mas tudo é riso, sorriso e invectiva.
[…] Tudo varia com os homens, os países e as épocas. Por exemplo, muita gente de hoje não acha graça ao Zé-Povinho, de Bordalo Pinheiro, tão ultrapassado como os magalas que antigamente chegavam ao quartel, com a sua boçalidade e o seu saco de chita.
5 comentários:
Discordo em relação ao Bordalo. É fantástico.
Eu também gosto muito de rir com as "tribos", independentemente de ser ironia mais fina, sátira ou puro disparate... :):)
T,
é curioso como eu já suspeitava que fosses admiradora da Bordalo:) (também aprecio, mas diria que moderadamente e não todo o legado)
rosarinho,
para cada pessoa com quem convivemos, há sempre episódios (posso dizer que alguns de partir para a parvoeira pura). Relembro o de se ter gasto desnecessariamente dinheiro em portagens por causa da inspiração do teu filho L a contar as memórias do jardim-escola.:)
ora aí está um bom post
Também gostei de ter "revisitado" este livro de Mário Martins:)
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