23 de março de 2009
Contra o cinzentismo dos dias
E porque tudo tem o seu lado solar, lembro alguns momentos sorridentes vividos na profissão há menos de um ano. Neste caso, as saídas de campo e para o campo durante o fim-de-semana.
A miudagem nem sempre tem a possibilidade de conhecer outras vivências a não ser quando tal lhes é proporcionado por um grupo de professores carolas. E assim saímos em Abril do passado ano, apanhando um fim-de-semana prolongado rumo a um imaginativo campo de férias.
O encontro com os monitores decorreu numa histórica vila do país, onde teríamos de participar num peddy paper.
À chegada, o mais destacado dos recepcionistas impressionou. Para além dos cerca de 2 metros de altura e peso proporcional, ostentava meio crânio rapado e a cara, do lado do mesmo hemisfério, absolutamente escanhoada. Do outro lado, um cabelo enorme e uma barba em imitação de Fidel. Os óculos fariam inveja a um qualquer Elton John e as calças, essas eram igualmente assimétricas: numa das pernas calção, na outra as habituais dimensões embainhadas. A T-shirt ostentava os dizeres garrafais: “tás a olhar pá onde?”.
Uma das minhas irreverentes alunas (que muito admiro pois sabe utilizar o discurso demolidor na altura certa e sempre em circunstâncias em que tal é civicamente exigido) disse-me em voz bem alta: “quero ir para casa! Vou telefonar à minha tia para me vir buscar!”. Aconselhei-a ao silêncio e os três dias mudaram-lhe radicalmente a perspectiva.
Foram momentos de memorável diversão. Até me conseguiram convencer a andar pendurada em cordas e roldanas (a mim, a mais velha do grupo de alunos e colegas!). Aqui o mérito foi a persistência do tal monitor de cabelo meio-rapado, meio longo que, segundo viemos a descobrir, era um famoso lutador de wrestling, sobretudo no País Basco onde actua com nome de um herói nacional e só faz gestos a fim de não o identificarem com a lusa nacionalidade, ainda estudante e pintor influenciado por Pollock (prometeu-nos um quadro lá para a escola, estamos a aguardar).
A S… , miúda que muito admiro, pois consegue conciliar o Conservatório com a escola oficial e ainda com um brilhante desempenho no judo, a pedido (andei a aborrecê-la durante uns dias), reuniu-nos – éramos cerca de 70 – no relvado do campo e executou uma peça de clarinete com a qual, duas semanas antes, tinha ganho um certame europeu. Fiquei maravilhada com o silêncio de tanto jovem sentado na relva, num fim de tarde ensolarado, a escutar com a maior atenção o som difícil que se desprendia do instrumento.
Apesar de falhar a água quente de manhã, dos disparates que passam por encher os mais dorminhocos de espuma de barbear, champô e pasta de dentes, dos banhos de piscina à meia-noite com a água a 15 graus de temperatura (aqui os meus alunos não se atreveram sem ter pedido autorização prévia, ainda bem que não houve consequências graves…), a nossa saída de campo serviu para estreitar laços, o que não me surpreende pois, há vinte anos atrás, descobri uma escola que – ficando a cerca de 20 km de Lisboa – tinha miúdos que nunca tinham visto o mar ou nunca tinham ido ao cinema.
O facto de termos conseguido descansar durante a noite deveu-se à competência da jovem equipa responsável pelo campo : além de terem guardado todos os telemóveis, alguns dos monitores prontificaram-se a dormir no chão, nos corredores que davam acesso às camaratas, para que não houvesse grandes desordens: já houve locais onde fomos forçados a fazer directas e a agarrar jovens pelos colarinhos quando tentavam saltar janelas, o que acaba por azedar um bocado.
E, apesar de afastada por um ano destas lides, só não os acompanhei no último fim-de-semana por ter obrigações, também eu, de aluna, pois senti-me convidada e com prazer por esta tribo escolar composta por jovens e adultos.
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2 comentários:
Olá!
Mas que aventuras tão bem descritas... Ainda me lembrava da descrição do recepcionista com a T-shirt "tás a olhar pá onde?".
Aguardo notícias com as primeiras impressões da aventura do meu júnior, que fugindo ao cinzentismo dos dias partiu em busca do "Branquismo" dos mesmos. :)
Olá,
De certeza que o teu miúdo está a esquiar:)
Quanto a esta saída em concreto, a figura impressionou-me (a todos nós) mesmo e, apesar de não achar grande piada ao "wrestling", ainda espreitei o youtube:)
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