5 de fevereiro de 2009

O velho piano

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Ainda na infância, o estudo diário era feito em casa da professora de música: “os pianos são caros, se queres aprender terás de esforçar-te, o estudo requer, pelo menos, hora e meia de prática diária”.
Chegava após uma caminhada de um quarto de hora. Puxava uma corda que ficava do lado de fora do postigo e entrava no silêncio da antiga casa deserta, uma das primeiras a serem construídas na localidade. Os tempos eram outros, não se falava em guetos, assaltos, perigos… Antes do ritual diário, apreciava os quadros expostos nas paredes da sala: as Azenhas do Mar, duas meninas de canudos a tocar uma peça a quatro mãos… seguiam-se os exercícios repetitivos para ganhar destreza e, no final, as peças melódicas que levavam a voos de maior liberdade.
Num final de ano e após árduo trabalho, orgulhei-me com o prémio da professora: uma estatueta de Wagner, hoje numa estante do escritório.
Uns oito anos mais tarde, recebi a tão esperada oferta - um belíssimo piano alemão, já usado – dizia-me a professora que eram os melhores – e tudo se tornou mais fácil.
Com o passar do tempo, começou a ficar esquecido, convertido em constante mas quase silenciosa companhia. A muitas odisseias esteve sujeito, “escada acima, escada abaixo” , com um peso e volume a complicar as deslocações.
Hoje é a Margarida que maior atenção lhe vota e assim se dá entrada num novo ciclo.
Evocando a estória de um piano, aqui acabo por me afastar um pouco dos versos de Alberto Caeiro, a vida não é feita de dicotomias, mas de uma permanente dialéctica:

Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza

4 comentários:

Pedro disse...

Este texto tocou-me imenso, porque também eu aprendi piano, (começando também com uma professora, com quem tinha aulas particulares). E foi um piano lá para casa. Ainda não veio para a minha, mas um dia virá. Pode ser que assim ganhe a pouco e pouco, a voz. Ou que oiça comigo a voz da natureza.

teresa disse...

Que belo comentário, Pedro.
Quem gosta de piano entende estas coisas (apesar de ter aprendido, desde pequena, ser a voz humana o instrumento mais perfeito de todos).
Quanto ao meu "velho piano" que nenhuma modernidade tecnológica poderá substituir, já mudou de casa 3 vezes: da dos meus pais para a minha 1ª e depois para a minha 2ª casa.
Espero que o piano do Pedro também possa vir a fazer-lhe companhia:)

Unknown disse...

O som do Piano é dos mais bonitos. Bom texto, Teresa!

teresa disse...

"Véritanques", Rosarinho.
No meu caso, para "melhorar", terei de ser menos preguiçosa no respeitante a esta matéria. Já fui mais "formiguinha", actualmente "é mais ler" até conseguir passar à fase da escrita... e "os dias voam"!