15 de janeiro de 2009
SINGINGIN THE RAIN
Chove mas ainda não como ele gosta que chova: sem parar, forte, de uma maneira que quando bate na rua parece fazer fumo, quase a lembrar o fumo do chão, como sai em Manhattan, ele que nunca foi a Manhattan, mas vê no cinema.
Gosta da chuva assim e guarda na memória outros tempos em que saía para rua sem preparos, agora a idade obriga-o a alguns cuidados. Nunca usava guarda-chuva, questionava-se sempre sobre o tempo em que o guarda-chuva está ao seu serviço e o tempo em que ele está ao serviço do guarda-chuva. Agora, fica entre vidros a olhar a chuva e a rua, e em verdade diz que é sempre um tempo excelente para ouvir a Joni Mitchell. De quando em vez é bom sentir uma pontinha de nostalgia.
Mas não era nada disto de que queria falar. O que queria dizer é que é raros sãos os dias de chuva em que não recorda a história que o mestre Chico, encostados ao balcão do tasco do Jaquim em São Francisco da Serra lhe contou: a história do seu compadre Abel, padrinho da mais nova, numa noite de chuva em que saíam daquele mesmo tasco, abriram os chapéus e continuaram a conversar. De repente o compadre Abel parou e começou a olhar, atentamente, o chapéu que levava na mão. Este não é meu, diz. Volta atrás, entra no tasco e regressa para junto do mestre Chico, contente, com um chapéu-de-chuva impossível de diferenciar do anterior, todos iguais, aqueles chapéus pretos, grandes que se usavam na província. O mestre Chico chama-lhe a atenção para o facto, para a semelhança, intrigado, sem compreender como podia o compadre Abel afirmar que era aquele o seu chapéu. Não há confusão possível, respondeu-lhe o compadre. Reconheço-o pelo som da chuva. No meu ela canta muito melhor.
A chuva a cantar no chapéu do compadre Abel, os dias de chuva na infância, os pés a puxarem para as poças de água, as botas compradas há pouco, latadas do pai. As saudades que tudo isto lhe trás: o pai, os dias de chuva da infância.
Vai mesmo por a Joni Mitchel la rodar.
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1 comentário:
Belo texto, gin.
Por enquanto a chuva alegra (opinião pessoal), mas quando começa a ser a tal chuva fortíssima, lembro um caso ocorrido há pouco mais de um ano enquanto directora de turma: um aluno dos tais que vivem a "pobreza envergonhada", acabou por ser alojado com a família numa residencial em Lisboa, tendo de entrar às 8h na escola... fiquei impressionada, pois felizmente que não existia um rótulo a diferenciar (ainda mais) este miúdo dos colegas...o episódio acabou bem, passados alguns dias lá lhe arranjaram uma casita, sem grandes condições, mas pelo menos em tijolo.
Quanto à fantástica estória do guarda-chuva, ainda lembro os do meu pai, eram enormes e com o cabo em cana envernizada. Penso que já não há desses, agora é tudo "Made in China".
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