Para ele, os lamentáveis comentários dos dois biltres a propósito do “post” da T. sobre vacas na Praça de Espanha tiveram uma vantagem: ver a Teresa citar António Sérgio. Há quantos anos não via alguém referir António Sérgio? Não lembra, ele próprio se tem esquecido.
“Com a morte de António Sérgio, desaparece a maior figura portuguesa deste século e um dos nomes cimeiros de toda a nossa história intelectual”, “Seara Nova”, Fevereiro de 1969
Poucos, pensa, terão lido António Sérgio. Quase juraria que da gente jovem ninguém saiba quem tenha sido. Contudo, ele deve-lhe muito, prte de uma geração também. Foi ele que o ensinou a pensar pela própria cabeça, ser crítico e nessa crítica, como lembrou a Teresa, não “funalizar”. Discutir, ideias, opiniões, gostos e apenas isso. O direito a que outros pensem de modo diferente: “… suscitar reparos é o que eu mais desejo; ou mais precisamente: incitar os espíritos à problemática, acordar os leitores de quaisquer “sonos dogmáticos”, abrir as avenidas da discussão fecunda”, “Ensaios” Vol. VI
Lembra-se de o pai lhe dizer que o fracasso de não pensar é sempre uma consequência de não ler e que ele, pela vida fora, haveria sempre de saber quem um dia leu António Sérgio e os que não o leram, os que o leramterão uma ginástica mental, uma compreensão dos assuntos e das pessoas, que outros não terão um gosto pelo diálogo, pela discussão.
“O aluno não deveria ir à escola para ouvir muitas teorias e manejar poucos factos, mas para enriquecer, para seleccionar, para intelectualizar a sua experiência (…) um outro defeito do nosso ensino é ser “verbalista”. O professor explica falando, e o aluno ouve; o aluno é chamado à lição e fala, e o mestre ouve por sua vez: ouvir e falar, falar e ouvir. Depois, quando o mestre interroga o aluno, é quase sempre com perguntas de exame, para verificar se ele “sabe; se decorou o que se lhe disse e está no compêndio, e não para o guiar no raciocínio espontâneo sobre os fenómenos observados.” “Sobre Educação Primária e Infantil”
Até agora não se fez a este homem a justiça que o seu trabalho e exemplo exigem. Diga-se que ainda em vida um silêncio quase completo se abateu sobre os seus últimos anos. O próprio Sérgio também contribuiu para esse silêncio refugiando-se na sua casa na Travessa do Moinho de Vento, tal como Alexandre Herculano se refugiou em Vale de Lobos.
Os jovens de hoje não sabem o que perdem em não ler António Sérgio. Melhor ou pior: não sabem o que perdem em não ler livros. Chegado a este ponto recorda sempre o desabafo de uma professora: “Intelectuais na escola são os que lêem “A Bola”. Porque os outros não lêem nada.”
1 comentário:
Que alegria em ter lido estas merecidas palavras de homenagem a António Sérgio.
Já agora, em relação à referência ao jornal "A Bola", gostaria de acrescentar que muitos dos seus artigos se encontram num Português escorreito, tratando temas que ultrapassam o desporto mais salientado (ou mesmo o desporto em geral), o que traz uma réstia de orgulho à nossa portugalidade. Quando os meus alunos lêem este jornal já fico contente e guardo em formato digital e com prazer, alguns belos pedaços de prosa de alguns dos seus articulistas. (não vou citar autorias, pois correria o risco de esquecer alguns nomes igualmente importantes)
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