
Pediu o título emprestado ao José Rodrigues Miguéis, escritor do imaginário de Lisboa. Gosta do título e assim ficará.
É um domingo de Outubro e está um lindíssimo dia. Ainda pensou sentar-se a bater no teclado um texto que prometera. Mas resolveu pegar na máquina fotográfica, perguntaram-lhe onde ia, e respondeu que ia namorar Lisboa.
Saiu para a rua e para o dia, desceu toda a Almirante Reis, descansou na Praça da Figueira para dar uma olhadela à Feira de Livro Manuseado que por ali tem estado. Calhou então olhar uma porta e veio-lhe à memória uma história dos distantes dias de outrora.
A irmã tinha uma enorme boneca, pensa que lhes chamavam “espanholas”, não sabe bem porquê, talvez por serem feitas no país vizinho. Lembra-se que a irmã não brincava com a boneca, para isso tinha umas de cartão, a irmã insistia em dar-lhes banho e aquilo desfazia-se tudo. A boneca espanhola era apenas para vista, estava de pé - ou sentada? - num maple da sala onde um dia a família passou a ter um aparelho de televisão, a preto e branco, e lembra os “Nat “King” Cole Show” e daí ter-lhe ficado – quase de certeza! - o gosto que hoje tem por “crooners” e “big bands”.
Um dia, ninguém soube como, a boneca apareceu estatelada no chão com um braço partido talvez também uma perna. Uma enorme choradeira da irmã e a avó a dizer-lhe “deixa lá, vamos levá-la ao hospital das bonecas
O Hospital de Bonecas” é a porta que agora olha, irá tirar uma fotografia e verifica que a loja ali está desde 1830. O letreiro indica-lhe que também é a “Ervanária Portuguesa”.
Admite que mandar hoje uma boneca para o hospital, dado o custo de mão-de-obra e a o trabalho específico que envolve, deve custar o seu pedaço de dinheiro. Com esse dinheiro deve poder comprar-se não sabe quantas bonecas numa qualquer loja de chineses. Não é bem a mesma coisa mas…
Já disse que era domingo pelo que o Hospital das Bonecas estava fechado e não se vislumbra “Serviço de Urgência”.Talvez um dia passe por lá e pergunte se ainda há muita gente que leve bonecas para consertar certamente bonecas de muita estimação. Ou talvez algum viajante do “Dias Que Voam” lho possa dizer…
3 comentários:
Deliciosas estas memórias ternas , a esta hora da manhã.
Recuei no tempo, em que as minhas bonecas foram "assistidas" no hospital. E recordo ainda o pavor de que me trocassem os "bebés", quando tinham que ficar internados. a angústia de ver o meu "chorão" a ser colocado num cesto ou a "zarolhinha" que passava o tempo todo a "perder" os olhos...Isto há 40 anos atrás.
As bonecas da minha filha ainda tiveram direito à assistência nesse mesmo hospital (e ainda criticamos o sistema de saúde, risos :-) há cerca de 12 anos.
Desse tempo para cá, quando pelo Hospital da Bonecas, tenho a sensação que ainda funciona...Mas com como os doentes já não devem justificar a sua permanência, admiro-me como escapou este Hospital ao encerramento, na sequência da aplicação das medidas do governo...
Obrigada por este momento que me fez recuar á infância.
Abraços
Acho que ainda funciona sim. Belo post:)
caro gin, os seus posts dão-me arrepios... lembro-me bem da minha tia (avo) suzete, a mesma que aos 80 e tal anos encontrei no rossio a caminho da ginjinha ("ola tia, onde vai?" - "olha filha a tia ia ali beber uma ginja"), levar as minhas bonecas a esse hospital... sempre achei que era algo magico e muito humano as bonecas terem um hospital mas chegava duvidar, até rencontra-las em perfeito estado...
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