Gosto deste cheiro a barro, que sei lá porquê, me inunda a casa quando chove. O ar fica límpido, fazer o café e a torrada de pão de girassol tornam-se tarefas imperiosas e o livro de Montalbán devora-me o tempo.
Escrita avassaladora esta, que nos transporta e nos faz esquecer tudo o mais. Com as devidas excepções claro. Reparo que resisti muito tempo à leitura desta última obra de um dos meus escritores de coração. Esperou com paciência a sua vez em cima da mesa de cabeceira .Talvez não lhe quisesse fazer o luto. Mas ele próprio o faz ao longo destes dois volumes, numa longa viagem de despedida. Viria a ficar-se pouco tempo depois, num aeroporto qualquer e de uma morte ao Deus dará, de coração falhado. Era muito novo para ter morrido assim. Há homens de que intuímos a falta que fazem. Despede-se a fazer-me sorrir com Bouvard e Pécuchet, os nomes de guerra de Carvalho e de Biscuter, emprestados a Flaubert. Desconfio que vou agarrar o molho de livros de Montalbán e lê-los de fio a pavio. E comprar aqueles que com generosidade insensata emprestei e que não me devolveram. É que quero começar com o meu primeiro amor " O Assassinato no Comité Central" e apaixonar-me de novo pelo detective galego que queimava os seus livros com um ritual elaborado e fazia paella, entre tiradas filosóficas, como ninguém.
3 comentários:
Bela descrição: consegui sentir o cheiro a barro, ao café e às torradas :)
Tb gosto do cheiro a terra molhada quando chove nestes dias.
toda a colecção "Pepe Carvalho" estava (está?...) a ser reeditada. é uma oportunidade de (re)ler todos os livros do detective que queimava livros.
Faltam-me alguns. Terei que comprar. Estes do Milenium são dessa edição.
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