Acabo o trabalho, vou para a rua e vejo aproximar-se um táxi velozmente. Estendo o braço. Trava e faz marcha atrás direitinho a mim.
Quando digo para onde vou, noto a fala lenta e elaborada do motorista. Não formulo juízos de valor, parece-me fisiológico. Explico-lhe o meu trajecto favorito e articulamos ruas.
"Sabe, falo assim porque fui operado às cordas vocais. Tenho que adquirir um novo sistema nervoso. A fisioterapeuta aconselhou-me a voltar a trabalhar, para treinar a dicção. Há pessoas que não se incomodam, como a senhora. Mas há outras que recusam seguir no táxi comigo. Que hei-de fazer? Digo tudo bem, os senhores estão no seu direito. Houve clientes que já fizeram queixa de mim. Os estrangeiros não, falo bem inglês e entendem o meu problema. Que hei-de fazer? Ao menos conduzo, vou conversando e vejo a cidade. É bom passear, não acha?"
Eu acho, mas fico com um nó na garganta. Ele continua a conversar e a enumerar as ruas por onde passamos.
"É aqui?"
E eu saio, pago, desejo-lhe bom serviço e penso na falta de cuidado crescente, que temos com a sensibilidade dos outros. E que por negligência, às vezes tornamos a vida de outrém bem difícil de ser vivida. Não fico muito feliz com esta ideia.
Foto de Jorge de Sousa, 1953
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